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O professor que há três anos se dedica a pesquisar a cultura do cu

Uma conversa com o Jonathan Allan, que em março lança um livro que analisa a importância cultural do famigerado ânus.
Um pêssego
Foto via usuário do Flickr Kakei.R

Cus estão por toda parte, é só perguntar pro Kanye. Para o Dr. Jonathan Allan, o ânus é uma porta de entrada para entender cultura, linguagem, ansiedades sociais, humor, política e talvez até o sentido da vida. Considerando que as bundas são de gênero neutro e representam uma variedade de conotações positivas e negativas, elas são um tópico de estudo fascinante. O Dr. Allan passou dois anos e meio estudando e filosofando sobre o ânus, e eventualmente escreveu Reading from Behind: A Cultural Analysis of the Anus. Com lançamento marcado para março, o livro inspeciona a bunda em teoria literária e crítica cultural.

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Começando com o trabalho de Sigmund Freud de 1908 "Caráter e Erotismo Anal", Dr. Allan mostra como descrever alguém como tendo uma "personalidade anal" pode sinalizar nossa necessidade de pegar o ânus, com todos os seus "prazeres e desconfortos", e "reprimir" isso. A partir daí, o autor pesquisa filmes como Brokeback Mountain, o complexo da virgindade, prazer e violência anal e até como bundas estão relacionadas com o colonialismo no Canadá.

Entramos em contato o professo e presidente de pesquisa de teoria queer da Brandon University por telefone para uma entrevista. O sondamos sobre coisas de bunda como twerking e as disparidades socioeconômicas relacionadas a ânus e gênero.

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O Dr. Jonathan Allan diz que a pintura de Kent Monkman "Cree Master 1" inverte a narrativa colonial tradicional. Foto cortesia da University of Regina Press.

VICE: O que você quer dizer com "democratização do ânus"?
Dr. Jonathan Allan: Uma das coisas que mais me interessa é como definimos gênero baseado na diferença. E, claro, gênero é uma coisa estranha que é confundida com sexo o tempo todo. Quando você preenche um formulário do governo, eles perguntam seu gênero — masculino ou feminino. Bom, masculino ou feminino é nosso sexo biológico, não nosso gênero, que é como você vive sua vida diária. Tudo é sobre a diferença. A única coisa que nos une é a bunda. Todo mundo tem uma, tem acesso a isso, e sentamos nisso a maior parte do dia. É isso que acho tão interessante.

Você também relacionou o ânus ao que chamou de "o mito da fronteira e colonialismo".
Quando comecei a apresentar esse trabalho em conferências, alguém me perguntou sobre colonialismo. Me apresentaram [o artista] Kent Monkman. Monkman inverte as narrativas coloniais. Ele mostra uma pessoa indígena dando palmadas num colono branco. Isso inverte a narrativa comum. Por que essas imagens? Eu relacionei isso com o romance [de 1966] Song of the Loon, que é sobre as aventuras eróticas de um colono com corpos indígenas. Muito da linguagem do colonialismo — dizemos coisas como "a terra foi estuprada" e assim por diante — o que significaria inverter essa narrativa?

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Isso pode parecer simples, mas bundas são sujas. É considerado rude falar sobre isso em certas companhias.
Isso é verdade. Não consigo imaginar a maioria de nós sentados na mesa de jantar falando sobre bundas. Mas, ao mesmo tempo, preste atenção nisso na TV. Você houve referências constantes a isso na mídia. Eu estava assistindo um desses programas de emergência médica no TLC e, claro, algum cara apareceu no hospital com algo enfiado na bunda que ele não conseguia tirar. Em Big Bang Theory, tem esse momento incrível sobre "autógrafo anal" e o "cartão de ligação do cólon". No filme Irmãs, há uma cena em que uma boneca de bailarina dançante fica presa na bunda de um cara. Por dez minutos há essa piada contínua sobre o brinquedo tocando música na bunda do cara. Fazemos essa coisa onde não falamos sobre nossos retos, mas damos voltas em torno disso. Nós desviamos disso porque é sujo. Seu propósito é a defecação, mas há uma universalidade marcante nisso.

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Foto cortesia da University of Regina Press.

Você pode falar sobre twerking?
É uma coisa vergonhosa e ainda desejável. Isso desafia as leis da gravidade e está bem na nossa cara. Essa não é a primeira vez que vemos a bunda na cultura popular. Tivemos a música de Rick Martin "Shake Your Bon Bon", "Honkey Tonk Bedonkadonk", "Fat Bottomed Girl", a música de Sisqo "Thong Song" e muitas outras. Mas o twerking parece levar isso a um outro nível.

Em seu livro, você diz que mulheres são as grandes leitoras de romances gays.
Há pouquíssima coisa escrita sobre romances desse tipo, infelizmente. Eu queria realmente ler esse tipo de livro não como piada ou como algo que donas de casa malvadas leem, eu queria descobrir o que estava acontecendo ali. Mas eles estão por toda parte. Acho que [romances gays] são o subgênero que cresce mais rápido na literatura de romance. Eles são escritos principalmente por mulheres e para mulheres. Eles falam sobre ansiedade em torno do corpo masculino e os tipos de prazeres a que os homens têm acesso.

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Para a sua pesquisa, você tem uma parede coberta de fotos de ânus com linhas conectando eles? Tipo em Uma Mente Brilhante?
[Risos] Há muitas conexões feitas constantemente. Uma coisa que é interessante é como a bunda é invocada no discurso político. As metáforas que usamos — backroom deals (algo como "negócios de banheiro, acordos feitos secretamente) por exemplo. Ou aquela coisa de "getting schlonged" do Donald Trump. É uma recusa do falo, certo? E aí ele usa isso para descrever Hillary Clinton. Ou Doug Ford: depois da eleição provincial de Ontário, ele falou que o Partido Conservador precisava de um "enema".

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Foto cortesia da University of Regina Press.

Vamos falar sobre erotismo.
Para uma parte do corpo que é tabu, colocamos muita energia nisso. Seja conseguindo a bunda perfeita, diminuindo quem tem uma bunda gorda ou ganhando uma bunda. Vi numa revista masculina — GQ ou Men's Health, uma dessas — que 2015 era o ano da bunda masculina. Nas primeiras páginas do meu livro, aponto como [a MTV News] declarou 2014 como o ano da bunda em geral. Somos obcecados. Queremos esculpir isso; usamos calça de ioga.

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Jonathan Allan. Foto cortesia da University of Regina Press.

Você pode falar um pouco sobre a questão da violência e o ânus?
No livro, falamos sobre [a cena de estupro de um homem por uma mulher em] Myra Breckinridge de Gore Vidal. É uma cena bastante gráfica. Há uma certa violência e muito poder em jogo. Acho que poder é sempre transferível e está sempre em fluxo. O ânus está sempre lá. Todo mundo já experimentou uma dor na bunda. Todo mundo já experimentou prazer anal. Todo mundo tem movimentos intestinais particulares que são prazerosos. Quando enquadramos isso nesses termos, isso se torna algo diferente. Acho que nunca vamos nos livrar da vergonha dos cus, mas claramente estamos interessados neles.

Há algo para se dizer sobre classes sociais e bunda?
A bunda é o proletário do corpo. Se é sobre riqueza, as Kardashians parecem estar indo bem. Mas há argumentos de classe a serem feitos sobre isso. Cito o escritor colombiano Gabriel García Márquez, que disse: "O dia em que merda valer dinheiro, os pobres vão nascer sem cu!".

Essa entrevista foi editada para maior clareza.

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