A herança da cultura Ballroom está enraizada no Harlem. Imortalizado pelo documentário de 1990 Paris Is Burning e a aclamada série recente POSE, o Ballroom e o voguing como conhecemos nasceu da discriminação experimentada por pessoas queer não-brancas nos EUA dos anos 1980. Entrar num salão era um jeito de oferecer possibilidades emancipatórias para expressões de gênero e raciais na América da Ronald Reagan, onde a existência de pessoas queer não-brancas era negada e criminalizada.
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Quase 40 anos depois que a cultura Ballroom underground emergiu em Nova York, casas (a estrutura de organização da cena de famílias alternativas) surgiram por todo o mundo. Em Amsterdã, Berlim, Londres, Tóquio, São Petersburgo, Barcelona, Helsinque, Milão e Paris, o Ballroom está prosperando, misturando moda e atitude com afirmação mútua. Em Paris, as pioneiras Mother Lasseindra Nija e Mother Steffie “Nikki” Mizrahi construíram uma cena do zero que lembra muito a de Nova York, refletindo algumas das mesmas dinâmicas raciais e coloniais. Em Berlim, a cena foi encorajada pela mulher negra cis heterossexual Mother Leo Saint Laurent, que passou anos ensinando vogue pela Alemanha. Outras mulheres cis a seguiram; levou mais tempo para ela ganhar a confiança do pessoal queer e trans do país.As histórias do Ballroom estão começando a se tornar conhecidas, mas algo muito importante é quem as conta e como. Ballroom é uma tendência hoje. Todo hipster e cosmopolita do globo provavelmente já ouviu falar de “bailes” ou “vogue”. Há todo tipo de gifs de Ballroom no Instagram para colar no seu stories, com pequenas animações de “slay” ou “snatched”, mas quem olha para as pessoas que estão realmente fazendo todo o trabalho? Quem elas são e onde podemos ver seus rostos?O Ballroom foi construído pelos menos desejados de suas sociedades, e dentro dessa porção, ainda há hierarquias de privilégio e discriminação. Opulence de Dustin Thierry documenta essas cenas europeias e as pessoas queer não-brancas – principalmente mulheres trans e homens gays negros – que continuam dando significado ao Ballroom com os anos e com a cultura atravessando o Atlântico. Num época em que blackfishing e pinkwashing parecem ser a chave para estratégias de marketing de sucesso, o desafio de uma cultura crescendo tão rápido quanto essa não é se tornar a melhor réplica do Harlem, mas dominar a própria narrativa e história. O trabalho de Thierry mostra como essas cenas fornecem espaços necessários fora de Nova York, e como elas estão honrando a herança da cultura dando a ela uma nova voz e propósito. A necessidade de criar espaços onde as comunidades queer não-brancas se juntam, brilham e encontram significado se traduz além dos bailes originais no Harlem. – Sophie-Yukiko Hasters
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“Acho que a questão é: onde está o lucro e onde está a intenção. Estou ensinando porque quero ser famosa? Estou ensinando porque gosto dos passos? Ou estão ensinando porque quero compartilhar e realmente ver algo crescendo disso? – Leo Saint Laurent
“Você deve sempre lembrar que se é uma mulher heterossexual cis, se você é branca, você é uma convidada. Tente ser sempre bem-vinda e domine seu lugar na cultura aprendendo sua arte.” – Lasseindra Ninja
“Isso aqui não é um zoológico que você pode visitar e tirar fotos.” – Steffie “Nikki” Mizrahi
Matéria foi originalmente publicada na Borders Issue da Revista VICE. A edição é uma exploração global de fronteiras físicas em invisíveis, e examina quem é afetado por essas linhas e por que damos a elas tanto poder. Clique aqui para assinar a edição impressa.Leia mais histórias sobre fronteiras no nosso pacote adicional que explora como as fronteiras que dividem e cercam a Europa afetam as vidas das pessoas que moram perto delas.Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.