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Tecnologia

A Natasha Vita-More fala para os humanos do futuro

Alô Terra do ano 3012.

A Natasha Vita-More faz montes de coisas. É escritora, pintora, culturista e a designer que criou o

Primo Posthuman

— o seu projecto do humano do futuro. É uma espécie de

Lawnmower Man/Woman

que vive entre o mundo real e o mundo virtual, alimentando-se de nanobots quando está com a traça. Este mundo pós-humano parece um sítio intrigante, mas faz-nos pensar: se vivemos com uma forma não-biológica, como podemos desfrutar das experiências humanas mais básicas e essenciais? Estou a fala de sexo, caso não tenham percebido.

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Tendo-se tornado recentemente a presidente do Humanity+, uma organização sem fins lucrativos de transhumanistas, achei que a Natasha seria capaz de me responder a esta questão. Apesar de ela garantir que não é nenhuma especialista em sexo, interessa-se pelo futuro da sensualidade, dos nossos sentidos, das nossas relações e de como poderemos interpretar as paixões e os prazeres do sexo fora do sistema biológico. Perfeito. As nossas formas humanas encontraram-se através do Skype e foi isto que aconteceu.

VICE: Olá Natasha. Como vai ser o sexo no mundo transhumano?

Natasha Vita-More:

Para pensar no futuro do sexo temos que pensar na história do sexo: o papel do sexo e o porquê de ter surgido. Fazemos sexo porque os nossos órgãos foram criados de modo a trocarem código genético e o sexo foi e é essencialmente uma forma de câmbio através de material líquido, através de humidade. Quando pensamos no futuro da humanidade, pensamos que vamos ficar cada vez mais integrados com máquinas, o que significa que vamos remover cada vez mais essa humidade e tornar-nos uma espécie metade humidade, metade computador.

Por "humidade" queres dizer a nossa carne?

Sim, porque somos organismos de carne húmida. O corpo é praticamente só água.

A tecnologia irá tornar o sexo algo mais psicológico e menos físico?

Primeiro existirá uma transição de se ser um humano de carne e osso para uma espécie de organismo informático pós-humano. Tens que pensar no que os nossos corpos irão ser e naquilo que queremos preservar e gerar. Num mundo pós-humano, pode ser que não queiramos conceber com outra pessoa, podemos querer uma reprodução em mosaico com mais organismos e outras formas de vida.

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Que queres dizer com "reprodução em mosaico"? Tipo azulejos coloridos?

Aquilo a que chamo de reprodução em mosaico será uma compilação e um conglomerado de diferentes tipos de genes, não entre espécies, mas dentro da própria espécie. Hoje temos reprodução entre um homem e uma mulher. Os genes de ambos juntam-se e formam um embrião. No futuro, algumas pessoas podem querer reproduzir-se com uma pessoa, enquanto outras podem querer com elementos de várias pessoas diferentes. Podes querer o humor de uma pessoal, a inteligência de outra, as capacidades atléticas de outra e o tipo de corpo de outra. Isso poderia ser um mosaico.

E a pornografia transhumana? Ainda haverá pornografia quando formos apenas entidades digitais a flutuar num mar digital?

Claro!

Como é que os géneros vão mudar? Estamos a ser velhos púdicos do século XXI ao dizer que só se pode ser  homem ou mulher?

Quando projectei o

Primo Posthuman

— um protótipo do corpo do futuro — fi-lo com a ideia de que o humano do futuro não precisararia de estar restringido a qualquer género. O homem do futuro pode ser macho ou fêmea. Ou ambos. Pode ser andrógino, pode não ter género algum. Então, podes ser homem durante algum tempo e depois mulher por outro período de tempo, hermafrodita ou assexual.

Vai ser uma coisa mais comum, então?

Sim. Acho que teremos atributos de ambos os sexos. Podemos querer viver e desfrutar da vida dentro de um protótipo masculino, durante um certo período de tempo e depois passar para um protótipo feminino. É algo que a psicologia humana tem gostado de fazer, mas, ao mesmo tempo, não é suposto fazeres isso porque a ideia é cada um só ter um género.

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Então pode acontecer que um miúdo acorde um dia e descubra que o pai agora é a mãe?

Não sei se isso será desejável, mas pode ser possível, apesar de não achar que seja a escolha ideal.

Se tivermos corpos diferentes e vivermos mais tempos e em diversos ambientes, como irá isso afectar a nossa sexualidade?

O aspecto mais transhumanista da sexualidade, e que seria desfrutado pelos pós-humanos, será o de olhar para o que é o prazer, o que é desejo, o que é espontaneidade e a parte que queremos preservar da sexualidade actual será o ritual de acasalamento em si. O elemento desse ritual que é excitante é o enredo — como podemos tornar esse enredo mais maravilhoso e deslumbrante? Isso pode acontecer em ambientes diferentes, onde podes ter uma sexualidade virtual ou uma sexualidade telepresente.

O que é isso?

Telepresença é quando estás num local e a tua companheira está noutro canto do mundo — Itália, Iraque, não importa — e vocês querem estar juntos. O sexo telepresente é baseado no sistema háptico, em que o computador gera uma sensualidade directamente para os teus sentidos. Podes criar uma representação virtual 3D da tua companheira numa localização geográfica diferente.

E o sexo virtual?

Em vez de ires a um bar para te embebedares e arrependeres no dia seguinte, poderias ter sexo simulado. Não seria tão perigoso como o biológico. Nem precisarias de te preocupar com doenças venéreas como acontece hoje com o corpo humano.

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O que mais seria possível?

Bem, por exemplo, um orgasmo poderia ser redireccionado no cérebro para ser usado para propósitos intelectuais e criativos.

Poderíamos colher a energia do orgasmo?

Sim, colher essa energia e talvez transportá-la para outra área do cérebro para facilitar, digamos, a escrita de um artigo ou a composição de uma música. Uma forma de ver as coisas seria neurológica, em que poderíamos redireccionar a energia no cérebro, Também poderíamos duplicar a sensação do orgasmo no cérebro. Aqui o problema é que as pessoas poderiam ficar viciadas, podíamos ter orgasmodependentes.

O que acontece na fase mais avançada da revolução transhumanista, onde nos tornamos pós-humanos e não-biológicos? Como nos iremos excitar nessa altura?

Se formos não-biológicos e nos descarregarem para um sistema informático artificial, existiremos numa nova esfera de múltiplas identidades conectadas, co-existindo numa espécie de computador.

Como uma rede online de…

Exacto, estamos a pensar num upload. Estás familiarizado com esse conceito?

Não tenho a certeza.

O upload é o pós-humano, é a emulação completa do cérebro ou o upload mental. É copiar e transferir o cérebro, as tuas propriedades cognitivas, para um sistema não-biológico que pode ser um computador. É uma área da ciência cognitiva e da neurologia que é muito transhumanista. Pegar em memórias, propriedade electro-neurológica e fazer o upload para um computador. Ficarias num universo completamente diferente. Seria um ambiente virtual mesmo fantástico.

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Tipo Matrix.

Sim, isso é um sistema informático.

Então vamos viver na Matrix mas não vamos ser escravizados por máquinas maléficas que cultivam a nossa energia bioeléctrica?

Podes continuar a ter um corpo biológico e parte da tua identidade aí, mas fazer o upload para o sistema na mesma. Poderias viver em ambos, ou só num.

O que acontecerá ao nosso corpo quando estivermos no mundo virtual?

O corpo poderia ficar em suspenso ou poderia nem existir porque terias

multitrack

.

O que signifca esse termo?

Multitrack

significa pensar simultaneamente em campos diferentes. Enquanto estamos a fazer o upload, o universo inteiro existe num sistema informático, mas as coisas não vão desaparecer simplesmente. O pessoal vai continuar a programar, projectar, fazer design do corpo humano, próteses. O nosso corpo não vai ficar parado no tempo, vai continuar a evoluir com a nanomedicina e com os nanorobôs.

Então os nanobots vão aperfeiçoar o corpo humano?

Sim, irão regenerar o corpo, recuperar do envelhecimento das células.

Ok, então vamos ter múltiplas personalidades digitais que existem ao longo do tempo.

Só quero que percebas que não temos que escolher entre uma coisa e outra, há imensas alternativas. Essa é que é a grande inovação. Toda a psique da espécie humana baseia-se no facto de termos uma identidade e um género e uma terra com um trabalho com uma só existência. Mas isso irá mudar num mundo transhumano. Vamos redefinir totalmente o conceito de morte. A morte é muito importante quando falamos de sexualidade, graças ao conceito freudiano de que o acto sexual é um acto de morte. E se pensares nos actos sexuais mais mórbidos, como o que levou à morte do meu amigo Carradine…

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David Carradine?

Sim, ele morreu num acto sexual que envolvia algo parecido com estrangulação.

Asfixia auto-erótica.

É o tipo de humano que não é transhumanista. É uma coisa estranha na psicologia humana.

Isso é bastante interessante: se vivermos num mundo em que tudo é possível, então podemos viver em qualquer fantasia que desejarmos

Exactamente, mas algumas pessoas têm fantasias com violação e isso não é uma coisa muito bonita de se fazer aos outros.

Então como filtrarias isso?

É esse o problema com o ser humano e com aquilo que tu vês em sítios como o

Second Life

. Eles têm ilhas onde a violação é um jogo e isso não é transhumano. Essa coisa é toda à volta da psicologia da morte e do medo, que é precisamente aquilo de que o transhumanismo se quer ver livre.

Tens ideia da data em que poderemos ver isso a acontecer?

Vejo mudanças na nossa sociedade a vários níveis, tanto no campo sócio-político, como avanços tecnológicos, a acontecer por ciclos, por ondas — é como o mercado de acções, por vezes sobe, outras vezes desce,. Por isso é difícil prever. Diria que será, certamente, antes do século XXII.