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cinema

Balelas que os filmes de ficção científica nos tentam impingir

Queremos repor a verdade e nada mais do que a verdade.

Fenómeno sobrenatural à procura dos dentes de ouro do Ol’Dirty Bastard. Até certo ponto, todos os géneros de cinema reflectem o seu tempo: os autores absorvem os sinais, as tendências e as marcas históricas para depois transformá-las em duas horas de abstração para o público. Existem, contudo, dois géneros singulares na sua abordagem ao tempo: o documentário que, como se sabe, traduz os acontecimentos de um modo supostamente mais puro e sóbrio (reproduzindo o que já aconteceu); e a ficção científica que, por sua vez, e quase inversamente, inclui uma boa dose de especulação em relação ao que permanece ainda por acontecer. “Uma boa dose de especulação” é, neste caso, a medida mais meiguinha para definir todo o desplante a que se dão alguns realizadores para projectar um futuro que pode, por vezes, demorar mais de cem anos até ser conhecido. Nem mesmo o Professor Karamba arrisca adivinhar a tão longo prazo. Tudo isto parece complexo, mas bastam geralmente dois elementos para que um filme de ficção científica aconteça: um realizador com os tomates certos para expor a sua visão e um astronauta extremamente corajoso (um conceito algo redundante). O sangue da ficção científica é a coragem, mesmo que essa sirva muitas vezes para inventar umas tangas que nunca chegam a acontecer no ano para o qual estavam destinadas. Estamos em 2013 e ainda não vi por aí nenhum carro (ou o Keanu Reeves) a voar — moro na província, talvez seja por isso. Mesmo assim, a província concede-me a calma certa para ver uns quantos filmes sci-fi de baixo orçamento para depois vir para aqui escrever sobre o quanto me divertem. É óptimo cair na esparrela de qualquer um dos seguintes série-b (ou série-z). Esta operação da Lili Caneças não correu assim tão bem. Comecemos então pelo mais respeitável do lote: First Man Into Space (1959) é um daqueles deliciosos documentos sobre como o Homem do final dos anos 50 olhava para o espaço com enormes receios, mas com vontade de lá ir, um pouco como um engatatão a galar a mais vistosa femme fatale do bar. Produzido apressadamente, de maneira a explorar a febre mediática das primeiras missões Sputnik, First Man Into Space conta a história de um astronauta parecido com o Peter Gabriel (uau!) e de como a sua vontade de voar a uma altitude proibida lhe valeu um regresso à Terra coberto por um estranho pó de meteorito. O pior é que essa matéria acaba por apoderar-se do astronauta e transformá-lo num bicho deformado e com um só olho (ainda por cima descaído). Uma espécie de bicho papão, ainda a pensar em galar a sua senhora. Bicho esse que passa os últimos vinte minutos do filme a querer beber o sangue de pessoas inocentes, incluindo o do alvo da sua intensa paixão. A moral da história cabe a um Doutor Engenhocas que, mesmo no final, diz com um ar muito sério: “The conquest of new worlds always makes demands of human life. And there will always be men who will accept the risk”. Qualquer coisa como “quem quer a bolota, trepa”. Acreditem, o filme é tão bom como esta citação sobre os mais gigantes passos da Humanidade. Muito piores a nível de produção são Beyond the Moon (1953) e The Day the Sky Exploded (1958) que, mesmo assim, não deixam de ser dois exemplos flagrantes de como a ficção científica é um universo cheio de ideias e de homens sem medo. Beyond the Moon decorre num futuro em que já existe um Secretário dos Negócios Espaciais, embora o mesmo não pareça uma pessoa muito esclarecida (os políticos não se safam nem no futuro). No que diz respeito à história, parece que um tal de Professor Newton decidiu atraiçoar a Terra e partilhar todos os segredos da sua ciência com um planeta maligno chamado Officius (onde deve haver trabalho para toda a gente). Do alto da sua masculinidade, o aventureiro especial Rocky Jones não confia numa formosa tradutora para ir salvar o Professor, mas, na cabine de pilotagem, conta com a ajuda de um side-kick com a alcunha de Winky. Hmmm, só eu é que acho isto suspeito? O melhor do filme é mesmo o planeta dos maus. Officius é um sítio espetacular: mesmo situado a milhares de anos de luz, tem estradas e Cadillacs como a Terra, os habitantes falam inglês correcto e os seus soberanos vestem-se como a família real do Mónaco. No final, ganham os bons, mas não se percebe muito bem porquê. Ossos do Officius, suponho eu. Duas pessoas entusiasmadas com uma vida sem ouvir “Gangnam Style”. Por mais incrível que isto pareça, The Day the Sky Exploded provoca ainda mais interrogações que o seu primo do parágrafo anterior. O título do filme diz apenas respeito aos seus seis minutos de clímax, que acontece quando centenas de mísseis atingem um meteorito de forma a evitar que este se esborrache contra a Terra (uma premissa popular do género). A grande cambalhota na lógica de tudo isto é que a Terra, neste velhinho sci-fi, não é nada interessante e talvez não mereça sequer ser salva: os eventos terrestres são extremamente cerimoniosos (a contagem decrescente do foguetão começa a partir do 40!) e, pior ainda, as pessoas parecem um pouco assexuadas e aborrecidas. Aqui ninguém pina. Pelo contrário, tudo o que acontece no espaço é muito excitante: seja o desenrolar de um fenómeno estranho, que está a absorver todo o magnetismo da Terra (incluindo aquele que está nos dentes de ouro da Sofia Aparício), sejam os ruídos da nave que recordam a sonoplastia das tardes de bola na Rádio Renascença. Entre as estrelas, todas as hipóteses estão em aberto e o nosso herói pode até encontrar (e conquistar) uma alienígena com três mamas como a do Desafio Total. Se o espaço tem tudo o que há de melhor na Terra e muito mais, podíamos começar desde já a cagar neste pedacinho de relva e mar.