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VICE News

Fomos A Um Rolezinho Em Repúdio ao Racismo

No dia 18 de janeiro, os grupos Uneafro e Círculo Palmarino organizaram um role para denunciar os shoppings, a polícia, a justiça e o estado enquanto racistas. O ato reuniu um grupo de mais ou menos 200 pessoas no Parque do Povo, próximo ao Shopping JK.

O Toddy Ivon, que já dirigiu videoclipes para o Haikaiss, Karol Conka, Cone Crew Diretoria, entre outros, estava lá comigo com a câmera nas mãos.

Depois de algumas semanas acompanhando debates exaustivos nas redes sociais e na mídia a respeito do Rolezinho, o preconceito da população em relação aos jovens da periferia ficou evidente, manifestado nos comentários ácidos que ridicularizavam os envolvidos. O motivo de tanta repercussão, além da questão do tumulto causado nos shoppings, era a exaltação do consumo e da curtição promovida pelo encontro.

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No dia 18 de janeiro, os grupos Uneafro e Círculo Palmarino organizaram um rolê para denunciar os shoppings, a polícia, a justiça e o estado enquanto racistas. A passeata reuniu um grupo de pouco mais, pouco menos de 200 pessoas no Parque do Povo, próximo ao Shopping JK. Quando cheguei na concentração, um garoto chamado Juninho proferia algumas palavras de motivação ao grupo no microfone. Ele vestia uma camiseta preta com o logo do Círculo Palmarino e, à sua volta, havia uma faixa da Uniafro que, em inglês, dizia: “In the world cup country, racist malls forbid entrance of black and poor people” (no país da copa do mundo, shoppings racistas impedem a entrada de pessoas negras e pobres).

Unido pelo grito “racistas, fascistas, não passarão”, o grupo prosseguiu até a entrada do shopping JK da Avenida Juscelino Kubitcheck. Como esperado, a recepção dos seguranças não foi das mais calorosas: as portas fechadas, os semblantes sérios. Alguns funcionários aguardavam do lado de fora, igualmente barrados. Um homem de terno assumiu a frente do grupo e, revoltado, criticou a atitude. Propôs que os representantes dos movimentos, em nome de todos os presentes, dirigissem-se à delegacia mais próxima para registrar um Boletim de Ocorrência. Era advogado e estava ali para garantir que a justiça fosse cumprida.

Em nota aberta, a assessoria do shopping declarou que “respeita manifestações pacíficas, mas o espaço físico e a operação de um shopping não são planejados para receber qualquer tipo de manifestação”. De qualquer forma, o Boletim foi devidamente registrado na 98ª DP, acusando a administração de preconceituosa e racista. Talvez seja pertinente citar aqui uma pesquisa levantada pelo LAESER – Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da UFRJ –, que analisou julgamentos em segunda instância de crimes de racismo e injúria racial nos tribunais de todo os estados brasileiros entre 2007 e 2008. Das 148 ações em andamento na época, 70% tiveram desfecho positivo para os réus. Um número incrivelmente decepcionante, mas que não esmorece a intenção dos organizadores em dar assistência a esses jovens e manifestar sua indignação perante a reação da segurança e da policia.

Fiquei pensando: o que a maioria das pessoas ignora em relação a essa questão é que existe um alto potencial lucrativo nisso tudo. O preconceito em relação a esses jovens, que inocentemente se organizaram para conhecer pessoas novas, namorar e “zuar” juntos, impede a maioria de enxergar que o shopping, como um local de consumo, poderia se aproveitar da própria capacidade desses garotos em se organizar para criar campanhas específicas para eles. Imagina o quanto uma liquidação de Mizuno ou de Juliete durante um Rolezinho não acumularia? Eles são jovens, têm um estilo característico e, por mais que muitos se recusem a acreditar, aumentariam as vendas de forma significativa. Eles gostam de roupas e artigos de grife, que exibem com orgulho em fotos no Facebook e no Instagram. E estão levando mais de mil pessoas, ao mesmo tempo, para o shopping. São pessoas influentes e formadores de opinião, dentro de seus nichos.

O funk ostentação, entoado por boa parte dos participantes do Rolezinho, é a realidade capitalista musicada. Tudo é uma questão de consumir, e consumir com qualidade. O melhor carro, a melhor camisa, o melhor tênis. E para um garoto ou garota que passou a vida toda morando num sobrado de alvenaria, escutar a história do garoto da periferia que virou MC e que agora anda pela cidade em seu Citröen contando plaquês de cem é incrivelmente atraente. Como não seria? É preciso compreender a realidade dos rolezeiros e adaptar-se a ela. Enquanto os MCs fazem verdadeiras propagandas gratuitas a algumas marcas em seus vídeos, somando milhões de visualizações, muitos artistas norte-americanos, por exemplo, negociam intensas parcerias com suas marcas-desejo. O capitalismo tupiniquim poderia se adaptar antes que a repressão transforme o hino ao consumo em um hino contra as marcas preconceituosas.