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Celulares Descartados, uma Trama de Assassinato e um Policial Foragido

Se os investigadores estiverem corretos, a morte de Samantha Dean foi motivada por ela estar grávida do policial VonTrey Park, que supostamente pagou para que tirassem sua vida e do seu futuro bebê.

Prefeitura de Bastrop, Texas, a sudeste de Austin, alguns quilômetros de onde o corpo de Samantha Dean, 29 anos, foi encontrado. Ela estava grávida. Foto via Wikimedia Commons.

Os norte-americanos estão fixados atualmente nas mortes trágicas de homens e mulheres negros nas mãos da polícia, desencadeando o que pode ser um escrutínio sem precedentes nos departamentos de polícia de todo o país. Foi sob essas lentes que a morte de Samantha Dean, em fevereiro, recebeu uma ampla cobertura da mídia no Texas. No entanto, se os investigadores estiverem certos, seu erro fatal não foi uma pequena infração de trânsito ou dirigir sem uma das placas do carro – foi estar grávida de um policial.

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Segundo os Texas Rangers, Dean foi assassinada a sangue frio porque estava carregando a filha de um policial de Austin que não queria a criança. VonTrey Clark, o policial que teria conspirado para o assassinato dela, fugiu para a Indonésia, sendo demitido do departamento de polícia por sair do país durante uma investigação da Corregedoria.

No começo de fevereiro, um vice-xerife local encontrou o corpo de Dean num estacionamento atrás de um shopping abandonado nos arredores da pequena Bastrop, a cerca de 40 quilômetros a sudeste de Austin. Ninguém tinha chamado a polícia: o xerife descobriu o corpo por acaso durante uma patrulha de rotina. Ela estava coberta por plástico preto, segundo os registros policiais liberados no mês passado, ao lado de seu Dodger Charger preto, que estava com uma porta aberta. Investigadores especulam que a cena do crime foi montada e que o assassinato estilo execução – Dean foi morta com três balas na cabeça, pelo menos uma delas disparada a curta distância – provavelmente aconteceu em outro lugar.

A criança que Dean estava esperando há sete meses, que ela já chamava de Madeline e cuja família se referia carinhosamente como Maddie, não sobreviveu.

Um mandado de busca requisitando uma revista no armário de Clark na delegacia onde ele trabalhava foi divulgado na quarta-feira passada. O mandado inclui um depoimento de um Texas Ranger detalhando os fatos do caso e indica que um homem preso em conexão com o crime teria dito à polícia, em junho, que o suspeito havia pagado US$ 5 mil para um amigo matar Dean e fazer parecer uma venda de drogas que tinha dado errado. Clark não queria pagar pensão alimentícia porque era "casado" (o depoimento só faz referência a uma namorada), informou o homem. Ele também contou que Clark levou Dean até o local onde ela seria assassinada.

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Logo depois da descoberta do corpo de Dean em fevereiro, os investigadores souberam que ela era a coordenadora de serviço às vítimas do Departamento de Polícia de Kyle, outra cidade pequena próxima de Austin. A família dela disse a um jornal local que Dean lutou contra um sarcoma durante a faculdade, o que a impediu de se tornar policial, já que o câncer atacou seu ombro e a deixou com uma deficiência. Ela então estudou justiça criminal em Nova York, retornando até o Texas para trabalhar como funcionária civil no Departamento de Polícia de Kyle. Ela ajudava as vítimas de crimes lá e tinha se voluntariado para fazer o mesmo no Departamento de Polícia de Austin.

No dia seguinte ao assassinato de Dean, detetives entrevistaram Clark, na época ainda um oficial do Departamento de Polícia de Austin, que confirmou que ele e Dean tinham um "relacionamento sexual" há anos e que acreditava ser o pai da criança. Através de mensagens de texto e do diário de Dean, detetives descobriram que Clark tinha insistido para que ela fizesse um aborto porque a criança ia "destruir a vida dele" e ele "perderia sua família".

Uma semana antes de seu corpo ser encontrado, Dean escreveu em seu diário que teve medo que Clark a pudesse matar durante um encontro sexual dos dois. Ele a algemou e vendou, ela escreveu, e insistiu em usar seu uniforme e sua arma.

Dean também contou a colegas de trabalho que, se algo acontecesse a ela, Clark era o responsável. Segundo o Texas Ranger que pediu o mandado de busca para inspecionar a casa e o carro do suspeito e para recolher uma amostra de DNA dele, o diário e as mensagens de texto apontam um "possível motivo".

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Clark foi colocado em licença remunerada depois da morte de Dean. Através de registros telefônicos, as muitas agências envolvidas na investigação – que agora inclui não só os departamentos de polícia local e estadual, mas também o FBI – descobriram que ele estava se comunicando com três outras pessoas usando celulares que ele descartou horas antes do assassinato. No mês seguinte, a Corregedoria abriu sua própria investigação e descobriu que Kevin Watson, um ex-detento, tinha sido colega de apartamento de Clark. Ele chama Watson de "irmãozinho" em mensagens de texto e, depois do assassinato, depositou dinheiro na conta bancária do pai do ex-detento, o que levou à sua suspensão indefinida do departamento de polícia.

Kevin Watson. Foto cortesia de Harris County Jail.

Watson e a namorada, Kyla Fisk, moram em Houston, cerca de três horas a leste de Austin. Outro implicado no assassinato é Freddie Smith, considerado um membro da Hoover Gangster Crips pela polícia de Austin. O telefone de onde veio a mensagem para que Dean fosse ao "SFA blvd" (o corpo dela foi encontrado no estacionamento do shopping center no Stephen F. Austin Bulevard) horas antes de seu desaparecimento foi comprado no dia do crime em Austin e ativado em Houston. Os Texas Rangers acreditam que os três celulares "foram adquiridos com o único propósito de facilitar os assassinatos de Dean e seu bebê".

Na noite do assassinato, Clark não pôde ser encontrado em lugar nenhum, informou a namorada com quem ele morava. Ele deixou o celular e o pager em casa, o que não era comum segundo ela. Clark disse à polícia que tinha perambulado perto da escola fundamental local, porém os investigadores não encontraram imagens dele nas filmagens das câmeras de segurança da escola. Depois, ele foi a uma delegacia local, mas ficou lá por apenas 30 minutos. Há uma janela de quatro horas naquela noite – e, nesse tempo, Dean encontrou alguém naquele estacionamento. Além disso, as torres de celular colocam na área do crime, por volta das 22 horas, o telefone dela e os celulares descartados que a polícia diz pertencerem a Clark, Watson e Fisk.

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Cerca de uma semana depois de o corpo de Dean ter sido encontrado, a coordenadora de serviço às vítimas do Departamento de Polícia de Austin (e amiga de Dean) recebeu uma ameaça por mensagem de texto: "Eu a peguei, vou pegá-lo e depois vou atrás de você. Vou te mostrar o que é uma crise". De acordo com o depoimento, vídeos de segurança mostram Watson (ex-colega de apartamento de Clark) e um segundo homem, Aaron Williams, comprando o telefone num Walmart nos arredores de Houston. Os dois teriam dirigido até Bastrop e mandado a mensagem, provavelmente para fazer a polícia acreditar que quem tinha matado Dean continuava na área. Williams mais tarde falou aos investigadores que Clark pagou Watson para matar Dean.

O Texas Ranger que trabalha no caso acredita que os envolvidos no assassinato tentaram usar o rastreamento dos celulares em seu benefício. Isso explicaria por que Clark deixou seu celular em casa naquela noite e por que dois homens fizeram uma viagem de quatro horas apenas para mandar uma mensagem ameaçadora de um posto de gasolina em Bastrop. Isso também explicaria por que os números de celular usados na noite do crime nunca mais foram usados.

O mandado liberado na quarta-feira detalha conversas entre Clark e os outros obtidas através de escuta telefônica em abril. Clark lhes diz para não falarem com a polícia, e eles concordam em não entrar mais em contato. Quando Fisk queria falar com Clark, ela ligava para outro amigo e o amigo ligava para Clark, tudo para não deixar rastro da comunicação deles nos registros telefônicos.

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Em junho, Clark não forneceu seus registros telefônicos e bancários como a Corregedoria havia pedido. Seu advogado, Briston Myers, declarou na época que a Corregedoria já estava com os registros telefônicos e que Clark não tinha a autoridade legal para obter os registros bancários. Myers não quis comentar o caso.

VonTrey Clark. Foto cortesia do Departamento de Polícia de Austin.

No mês passado, Clark não compareceu ao seu interrogatório com a Corregedoria e fugiu para Jacarta, Indonésia, no dia seguinte. Myers alegou que seu cliente viajou por razões médicas que não podiam ser divulgadas. "Se o policial Clark quisesse realmente fugir dos EUA sem deixar pista, há jeitos mais clandestinos do que comprar uma passagem num voo internacional com seu próprio nome e passaporte", comentou Myers em sua declaração. O acusado foi detido pelas autoridades na Indonésia por questões de visto e permanece no país.

O FBI diz que não pode comentar o status de Clark ou uma possível extradição, mas a promotoria local não vê o paradeiro dele como um obstáculo intransponível.

"Isso não quer dizer que não possamos trazer alguém de volta", disse o promotor do Distrito de Bastrop, Bryan Goertz, à VICE. "Significa que teremos de trabalhar de modo diferente."

Enquanto isso, Watson foi preso em abril por tráfico; já Fisk, sua namorada, acabou na cadeia acusada de destruir provas do crime – ela teria destruído a blusa que Watson estava usando na noite do assassinato. Williams passou um mês na cadeia.) por mandar as ameaças para a amiga de Dean no Departamento de Polícia de Austin.

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O procurador Goertz disse que não podia comentar os detalhes pelo fato de a investigação ainda estar em andamento, mas comentou que quem matou Dean será acusado de assassinato capital – no Texas, isso significa matar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Esse é um crime que pode resultar na pena de morte no Estado, líder no ranking de execuções nos EUA.

Os investigadores apreenderam dezenas de calçados e eletrônicos do carro e da casa de Clark em maio, mas Goertz não confirmou se eles encontraram provas nos itens físicos ou nos dados armazenados nos eletrônicos. A polícia estava procurando um sapato que combinasse com as pegadas deixadas na cena do crime, inclusive as verificadas na cobertura plástica do corpo de Dean. As autoridades confiscaram o PlayStation 4 de Clark e estão tentando estabelecer se isso foi usado para planejar a morte com Watson.

Goertz acredita que o governo possa trazer Clark de volta para os EUA até o final do mês. Não ter tratado de extradição com o país não impede a recuperação dele, alegou o promotor, embora ele não queira comentar o que vai acontecer com Clark quando ele voltar para o Texas.

A família de Dean não se pronunciou publicamente sobre o caso, e a polícia continua sua busca por respostas nesse assassinato trágico. Em sua página no Facebook, a mãe de Dean postou uma foto do túmulo da filha cercado por flores e balões coloridos. "Passei um tempo com Sammi no aniversário dela", ela escreveu. "Não era assim que eu planejava passar seu aniversário: ainda estou com raiva."

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Tradução: Marina Schnoor