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O Filme Que Me Fez...

Como “A Doce Vida” e “A Grande Beleza” me Ensinaram a Abraçar o Caos

No meio de toda essa loucura, essa doideira, esse ciclo infinito de decisões ruins e ressacas pesadas, dois filmes estavam sempre lá para me guiar: A Doce Vida, de Federico Fellini, e, mais recentemente, A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino.

Como um cara jovem e sem filhos, cuja vida profissional (e a pessoal também) envolve se embebedar com gente louca, é muito fácil cair nesses momentos "Que diabos estou fazendo da minha vida?". Como quando um amigo seu joga um carrinho de supermercado num moleque rico de um grupo de rap durante uma briga generalizada no Ano Novo, ou quando outro amigo te diz que recebeu um boquete de um travesti escocês chamado Craig num banheiro de um hotel em Hanger Lane, enquanto um ex-vilão do James Bond se esfregava em dançarinas profissionais no quarto do outro lado da porta.

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Quando experimentamos tais revelações, incidentes, sonhos conscientes – chame como você quiser –, às vezes nos perguntamos se a vida seria melhor se as coisas fossem um pouco mais calmas. Se você tivesse ido para uma universidade mediana, conhecido uma loira serenamente vazia chamada Ellie, Jess ou Hannah numa Festa da Lua Cheia e feito amizade com pessoas que fazem noites de pôquer em casa e usam drogas uma vez por ano.

Mas, no meio de toda essa loucura, essa doideira, esse ciclo infinito de decisões ruins e ressacas pesadas, dois filmes estavam sempre lá para me guiar. Dois filmes italianos, estranhamente: A Doce Vida, de Federico Fellini, e, mais recentemente, A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino. Filmes feitos com mais de meio século de diferença, mas que podiam ser prequela e sequência.

Cruzei com A Doce Vida quando o filme veio gratuitamente num jornal de domingo – o que fez muito sentido, já que, para mim, isso é uma das crônicas definidoras da mídia moderna. (O termo "paparazzi" não existia antes de Fellini batizar assim o fotógrafo do filme: um nome escolhido porque representava, para o diretor, "um inseto incômodo… pairando, disparando, ferroando" – ou seja, um cara pentelho que não sabe cuidar da própria vida, basicamente.) Para quem ainda não viu, o filme é a história confusa de Marcello Rubini, interpretado por Marcello Mastroianni. O ícone do cinema italiano, um ator que consegue desviar o rosto de um jeito convincente, fica entre bonito e amarrotado, clássico e efeminado – o que é útil, dadas as quase infinitas facetas do personagem. Simplificando mais, o protagonista de Fellini é um aproveitador inteligente, superficial, miserável, sensível, bêbado e mulherengo que dá a impressão de que devia estar fazendo algo mais útil com seu tempo na Terra.

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Em vez disso, ele passa suas últimas noites e madrugadas sendo pego no turbilhão da Roma do pós-guerra: tentando paquerar garotas de um helicóptero, dirigindo por ruas vazias com herdeiras deprimidas, sendo estapeado por um ator americano cuja mulher ele está pegando, bebendo muito e indo para trabalhos bizarros, como cobrir aparições forjadas da Madonna.

Marcelo é um jornalista, um bom jornalista, mas seu trabalho está atolado no lado superficial da vida romana: festas dadas por membros obscuros de realezas e finais de semana visitando astros americanos, gente mergulhada no estilo de vida decadente de "Calígula de óculos escuros" da época. Com seus ternos bem cortados, cabelo bonito e expressão ligeiramente confusa, Marcello é um Adônis perdido que foi fundo demais dentro do espelho. Ele é cool mas totalmente humano, e de um jeito falho e muitas vezes constrangedor. Um cruzamento estranho entre James Dean e um pai divorciado.

Antes que você confunda as coisas, não achei o filme inspirador por ele contar a história de um jovem escritor bonitão, que passa a vida desafiando estrelas de cinema e beldades da sociedade, mas porque isso ensina a abraçar o caos e a incerteza que a vida inevitavelmente joga na sua cara. Fellini era um grande humanista: mesmo quando está retratando pretensiosos mórbidos obcecados consigo mesmo, ele consegue dotá-los de paixão e humanidade verdadeiras. Para cada estrela escandinava louca, há a noiva suicida de Marcello, seu pai doente, a prostituta envelhecida que ele visita. Mesmo a Nico, que uma vez deu uma garrafada numa garota por ela ser negra, parece charmosa na história.

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Marcello é um cara inteligente e atencioso cuja vida chegou a uma encruzilhada. E, enquanto o filme lida com ideias de crise pessoal, não há redenção para ele, nenhuma mulher para salvá-lo. Porque isso seria americano demais. Assim, ele continua fazendo as escolhas morais erradas, mesmo admirando as que parecem certas: um amigo que se estabeleceu no ritmo da vida familiar. Mas o universo moral e o universo real são coisas muito diferentes, e Fellini não tem medo de mostrar isso. Acontece que o amigo de Marcello não está tão feliz com a vida doméstica e acaba se matando e matando os filhos. Mas, no final, nenhum grande julgamento moral é passado. Só um reconhecimento de que a vida pode ser e é difícil, mas que, às vezes, é doce. Isso e uma arraia jamanta gigante que aparece na praia.

O filme é uma ode agridoce ao caos. Sua mensagem talvez seja que, mesmo que levar uma vida louca te faça se sentir miserável, muitas outras coisas vão te fazer se sentir miserável também. E que, essencialmente, a vida é um vendaval que vai te carregar. (Um sentimento expresso em outra das minhas coisas italianas favoritas, Família Soprano.) A primeira vez a que assisti A Doce Vida eu tinha uns 19 anos e trabalhava numa fábrica de componentes de turbinas eólicas. Claro, poucas pessoas pensariam nisso como um trabalho para a vida toda, mas o filme me fez considerar que eu não deveria ter vergonha do desejo de dar o fora dali e achar uma vida menos rígida.

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Outra película com uma relação de amor e ódio pelo "turbilhão da boa vida" é A Grande Beleza, passado nos últimos dias do que historicamente era a Roma de Berlusconi.

Interpretado magnificamente por Toni Servillo, o protagonista é Jep Gambardella, o velho playboy definitivo, um jornalista de 65 anos que escreveu um grande romance na juventude, mas que agora passa o tempo pegando modelos e cheirando cocaína com produtores de TV que não têm nada a ver com sua carreira. Gambardella é o rei das festas de Roma, um Marcello Rubini 40 anos mais velho. Para mim, A Grande Beleza conta a história do que pode ter acontecido com a geração de A Doce Vida: todo mundo ficou mais velho, e mais bêbado, sem realmente mudar seu estilo de vida – em suma, relatando o que aquela falta de redenção mostrada no filme de Fellini significou para o resto da vida deles. Na Itália, há um clichê de solteirões de meia-idade que ainda moram com a mãe; e, em A Grande Beleza, todo mundo ainda é solteiro (mesmo sendo legalmente casado), se agarrando à Mãe Roma numa tentativa de nunca deixar os dias de glória escaparem. Para mim, com meus vinte e poucos anos, isso é uma coisa que já estou começando a ver na minha própria vida.

Assim que vi o trailer, eu sabia que aquele filme era para mim. Uma fantástica cacofonia eurotrash de Fellini, Berlusconi, Cassano, Sarkozy e Pavarotti. Os homens tinham cabelo frisado, barriga de calzone, cara inchada de cocaína, camisas listradas e calças vermelhas. As mulheres pareciam o tipo que pode destruir sua vida com uma jogada de cabelo. Era barulhento, era impetuoso, era a Itália.

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A primeira vez em que assisti ao filme, me apaixonei em minutos. Ele começa com uma sequência estendida de uma festa na cobertura de algum lugar de Roma. Eu queria morar nessa cena. Para alguns, a vida dos sonhos retratada nos filmes adolescentes americanos – casas enormes, famílias unidas e momentos sequenciais de amadurecimento – é o ideal cinematográfico. Para mim, são 200 italianos cheirados dançando numa cobertura.

A cena toda é selvagem e brilhantemente besta. A destilação de milhares de shows do Prêmio Eurovision, escândalos de corrupção na Séria A e festas de bungabunga. O fato de eles dançarem ao som de Bob Sinclar, sem dúvida o DJ mais ridículo da Terra, é a cereja do bolo. É puro caos: uma revolta de agressão conjugal, lascívia, modelos dilapidadas, cachorros em bolsas e uma banda de mariachis.

Essencialmente, é uma cena triste: pessoas fazendo coisas que são muito velhas para fazer. Mas o hedonismo é tão cru, a estética é tão desprovida de qualquer coisa próxima de credibilidade, que isso se tornou imediatamente a coisa mais legal a que já assisti. Quando, mais tarde no filme, Jep afirma que "Eu só queria viver a boa vida, eu queria ser o rei da boa vida… eu não queria apenas ir às melhores festas, mas ter o poder de destruir festas", você sabe que essa não é apenas uma película sobre pessoas passando por uma fase. É um filme sobre vidas definidas pela desordem.

Na verdade, ele sugere que se esconder atrás de festas enormes é uma tristeza ainda maior e que algumas pessoas, não importa o quanto tentem, nunca conseguem escapar disso. É aquele clichê de gente que supostamente vive uma vida superficial e tenta preencher algum tipo de buraco com a bebida. Os dois filmes parecem acreditar nisso, mas, com a típica falta de interesse europeu em redenção ou desfecho, nunca é dito o que pode ser esse buraco. (Garotas, talvez.) Em vez disso, nos aproximamos da ideia de que, talvez, o caos seja apenas o que algumas pessoas são, não importa o quanto elas se arrependam ou tentem sair da gravidade das festas. E, assim, os dois filmes sugerem que essa vida não é desprovida de sentido, sem redenção, sem profundidade, mas que ela se trata de algo para compartilhar com outros que também não conseguem funcionar direito numa ordem mundial.

No final de A Grande Beleza, há um momento em que Jep está tendo algum episódio profundo numa festa ao assistir a seus amigos boêmios velhos dançando na beira do abismo – mas esse momento é despedaçado quando ele é obrigado a se juntar a uma fila de conga ao som de "We No Speak Americano", de Yolanda Be Cool.

E eu percebi aí que é assim que vejo a vida: breves momentos de reflexão despedaçados pelo caos. A única coisa a fazer é aceitar isso.

@thugclive

Tradução: Marina Schnoor