Odair José e Azymuth fizeram um dos encontros mais fodas da MPB
Foto: Peu Araújo

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Odair José e Azymuth fizeram um dos encontros mais fodas da MPB

O cantor se juntou ao trio em São Paulo para tocar o clássico e maldito álbum ‘O Filho de José e Maria’.

O trio formado pelo cabuloso baterista Ivan Conti, o Mamão, pelo incansável contrabaixista Alex Malheiros e pelo genial pianista e tecladista José Roberto Bertrami, falecido em 2012, foi a base para a maioria dos discões dos anos 1970 que você chora largado ouvindo. Essa cozinha, batizada de Azymuth, já tocou com os grandes como Tim Maia, Rita Lee, Marcos Valle, Hyldon e Elis Regina e também esteve em situações lendárias como a gravação do álbum O Filho de José e Maria, de Odair José, lançado e amaldiçoado em 1977.

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Em 2014, a gente bateu um longo papo com o Odair José sobre este disco e a última pergunta que fizemos foi sobre a possibilidade dele voltar aos palcos com toda sua intensidade. E não é que rolou? Quatro anos depois — 41 depois do lançamento — o cantor se juntou ao Azymuth para celebrar um dos discos mais formidáveis e injustiçados da música brasileira no teatro do novo Sesc 24 de Maio, no Centro de São Paulo.

Além de caro nas lojas e sebos de vinil, o álbum ganhou suas anedotas, como a de que Odair José teria sido excomungado da Igreja Católica por criar uma obra sobre o casamento e divórcio de José e Maria, além de uma vida cheia de dúvidas existenciais, sexuais e viagens lisérgicas ao menino Jesus, que segundo ele pode ser eu ou você. A questão é que o cantor, que ficou taxado pejorativamente como brega, foi perseguido por este projeto. “Eu cheguei a duvidar da qualidade deste disco quando as pessoas bateram, a igreja excomungou, essas conversas malucas de um bispo que disse que estava me colocando na pauta da excomungação, a censura pegando em cima, toda a mídia metendo o pau, as pessoas virando as costas”, conta.

Foto: Peu Araújo

O cantor revela ainda uma grande ferida causada pelo resposta do público e da crítica. “Aquilo me fragilizou, eu fiquei 20 anos fazendo trabalhos muito aquém do que eu poderia fazer, bem mais desinteressantes e menos relevantes por conta deste trauma que se criou. Eu fiquei muito tempo sem escutar o disco, quando alguém falava dele eu achava que era um erro, que era um pecado, achava que eu tinha praticado um crime.”

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Alex Malheiros fala um pouco sobre a censura. “Aquela época era muito estranha, não vou dizer que esta não seja, mas hoje aceita-se este trabalho. Naquela época não tinha só a censura oficial, aquela da União, mas em cada lugar tinha uma censura”. O músico revela ainda que em sua “carteirinha da censura” (documento que os músicos precisavam apresentar caso alguma autoridade solicitasse) estava escrito no lugar de contrabandista no lugar de contrabaixista. “O cara da censura escreveu de sacanagem, porque achou engraçadinho”. Mamão completa. “Contrabandista de notas.”

O baterista relembra como foi o estúdio para a gravação do álbum O Filho de José e Maria. “Na época foi muito legal. A gente tava dentro do estúdio, trabalhava com todo mundo. Era contratado de uma gravadora, saía era contratado por outra e no meio disso o Odair apareceu com essa ideia. A gente já tinha gravado outros discos com ele, então foi tranquilo.”

A cicatriz parece ter sido exorcizada com duas apresentações de 1h30. “Todo mundo gostou, uma emoção diferente. Como eles [o Azymuth, que hoje tem nos teclados Kiko Continentino] são músicos acima da curva, mesmo quando existe um equívoco sai outra coisa, não sai um erro.”

A ideia surgiu da produção de Odair José. Ele fala sobre a possibilidade de novas datas. ‘Até quinta-feira no ensaio não, mas depois de ontem eu percebi com toda equipe, com o próprio Sesc, que ficou uma coisa muito encantada, muito prazerosa. E quando o projeto chega neste momento de prazer, de todo mundo achar legal, o próprio público veio falar com a gente de uma forma carinhosa. Pode ser que aconteça, a gente está torcendo para isso.”

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Foto: Peu Araújo

Odair conta ainda como foi a preparação. “Não teve bem um ensaio. Eles moram no Rio e eu moro aqui em São Paulo. Eu até vi a possibilidade de ir para lá ensaiar, mas eles tinham os compromissos deles e eu estava com uma temporada em Santa Catarina e não rolou. Aí ficou assim. Escreve aí que a gente acerta”. Aparentemente cansado antes da segunda apresentação, o cantor conta que fizeram uma longa sessão na quinta-feira (12) para que as coisas se azeitassem. Ele explica o abatimento. “A gente não canta tão baixo.”

Ali na fileira B1 do pequeno auditório é possível dizer que tudo correu muito bem. Com um trio embalado, o apoio de um guitarrista, um trompetista e um trombonista, Odair José subiu ao palco e cantou e contou sobre sua obra mais complexa e ainda abriu espaço para as deliciosas fritações do Azymuth, que tocou canções como “Orange Clouds” e “Last Summer in Rio”.

A apresentação começou com “O Casamento”, aquela da treta com o sacristão, teve a belíssima “Não me Venda Grilos”. E seguiu falando sobre a tristeza do menino na separação dos pais em “O Filho de José e Maria”. Cantou “Fora de Realidade” e fechou o show com o impressionante groove de “Nunca Mais” e a absurda “Que Loucura”. O bis foi com Odair, e o Azymuth, cantando lindamente “Linha do Horizonte”, aquela que o Doctor MC’s sampleou em “Tik Tak” e virou beat em mais um monte de raps.

Neste momento, aquele tiozinho cabeludo grisalho que está em todos os shows do Sesc já estava fritando sua air guitar e todo mundo estava emocionadíssimo com o vigor e força criativa de Odair José, 69 anos, Ivan Conti, 71 anos, e Alex Malheiros, 71 anos. Um lindo espetáculo, feito com cuidado e carinho. O Filho de José e Maria 41 anos depois de seu lançamento ainda tem muito a dizer.

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