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Edição Fantasmagórica

Sangue Virgem

Há mais ou menos cinco anos, KK e a Karen O estão trabalhado em um projeto chamado Stop the Virgens, estreou em outubro no evento do The Creators Project de Nova York.

KK Barrett, é sem dúvida um dos diretores de arte mais influentes que o mundo do cinema já conheceu. Ele é responsável pelo visual e pela atmosfera geral de filmes como Quero ser John Malkovich, Encontros e Desencontros, Huckabees – A Vida é uma Comédia e Onde Vivem os Monstros. Há mais ou menos cinco anos, o KK e a Karen O estão trabalhado em um projeto chamado Stop the Virgens, que começou como uma ideia de gravar vídeos para uma série de músicas correspondentes antes de transformá-las em uma “psico-ópera” que estreou em outubro no evento do The Creators Project de Nova York. O projeto também inspirou a capa desse mês (aquelas meninas que parecem zumbis saindo do pescoço cortado da Karen O são as virgens). É o tipo de criação que não pode ser completamente compreendida até que seja vivenciada pessoalmente, então pedimos ao KK para nos explicar tudo da melhor forma possível. Achamos que ele fez um ótimo trabalho.

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VICE: O Stop the Virgens levou anos para ser desenvolvido e passou por diversas modificações. Qual foi a inspiração original?
KK Barrett: Na versão original da Karen, ela queria fazer pequenos filmes individuais para uma série de músicas que compôs. Ela queria trabalhar com vários diretores criativos tops e acho que o projeto foi decolando lentamente. Enquanto isso, eu escrevi vário contos de uma página, e coloquei no papel alguns pensamentos.

Em torno das músicas dela?
Não, eram coisas separadas. Então um dia mostrei para Karen e ela disse: “Por que você não tenta escrever o roteiro para isso aqui?”.

Você ainda não tinha ouvido as músicas?
Ela já tinha tocado para mim umas duas vezes e elas estavam comigo. Passei cerca de seis meses escrevendo o roteiro enquanto eu fazia outras coisas e ela estava em turnê. Era difícil porque eu escrevia o roteiro, depois ouvia a música e não queria parar, porque senão seria mais como um vídeo clipe ou vinhetas dentro de um fluxo de coisas. Então tentei fazer uma estrutura narrativa. Durante o processo, entendemos que o projeto não pedia necessariamente uma estrutura narrativa, pois isso desviaria a forma como você absorve as músicas. Quando o projeto deixou de ser centrado no vídeo para mais próximo do teatro ou de um musical?
A gente brincava com o termo ópera, mas não queríamos dar esse nome porque tínhamos medo que pensassem nele como uma “ópera rock”. E, conhecendo a imprensa, sabíamos que era preciso dizer a ela o que pensar, ou fornecer uma definição para ser um coisa meio: “Ah, é isso”. Li um artigo no The Times sobre a diferença entre musical e ópera e enviei para a Karen. “Ópera” era definida como música apresentada de forma emocional, não através da voz ou da melodia da música. Então achamos que era essa a forma mais pura, e aí chegamos à conclusão: “OK, temos que chamar de ópera”. Mas, como eu disse, as pessoas espontaneamente chamariam de ópera rock. Então finalmente pensamos no termo “psico-ópera” e tivemos certeza de que era isso.

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Então as músicas agem como roteiro. Para mim, parece uma ópera.
A outra opção era um ciclo musical, mas não queríamos que houvesse vinhetas em que cada música pára, entra uma outra ideia, aí outra música começa e depois vira outra ideia. Queríamos que tivesse um fluxo contínuo, então decidimos utilizar interlúdios visuais em vez de montagens para conduzir a história visualmente, sem diálogo. A música tomou a força do que normalmente seria gente interagindo e falando de um lado para o outro. Foi a Karen quem se deu conta disso. Ela tirou algumas coisas como personagens e mitologia. Percebeu que não queria nenhuma palavra na peça além das músicas. Muitos filmes dos anos 60 – feitos por pessoas como Kenneth Anger e Stan Brakhage – eram poemas visuais que complementavam a música sem se desviar dela.

As virgens são parte da mitologia que você mencionou. De onde elas vieram?
Um dos contos que escrevi era sobre duas irmãs gêmeas, mas elas não se pareciam. Elas saltavam por aí, viajavam para vários lugares, viviam na lua e eram casadas com gêmeos na Áustria. Basicamente, é uma viagem no tempo de uma vida. Então, pequenos pedaços abstratos dessa história entraram no que estávamos trabalhando. A Karen e eu sentamos para discutir o que estávamos fazendo música à música e filmamos esse momento. Ela não estava nem analisando nada, só estava falando: “É isso que vejo”. Então pensamos em coisas como duas meninas no banco de trás de um conversível e elas começam a flutuar sobre a estrada durante o sono, descendo a rua. Está tudo no roteiro. Chega um momento em que elas acordam e percebem que estão lá em cima e começam a cair de volta na Terra. Aí pegamos essas meninas e começamos a tecer uma história.

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Outro aspecto interessante dessa performance é que, pelo menos por hora, vocês não estão em turnê, estão fazendo as pessoas irem até vocês.
Começamos a conversar sobre uma forma de fazer uma apresentação que fosse mais como uma residência, em que pudéssemos ir para um lugar e ficar por uma semana. Então, claro, o que surgiu foi o modelo de teatro. Eles vão para um lugar e recebem o público toda noite. Depois, empacotam tudo e vão para outro lugar. É uma turnê, mas uma espécie mais humana de turnê.

Vamos voltar a falar sobre como você se envolveu com o projeto. Eu sabia que você e a Karen eram amigos, mas conte como isso aconteceu.
Conheci a Karen através do Spike Jonze, depois de um show no Teatro Grego em Los Angeles, onde o Yeah Yeah Yeahs abriu para o White Stripes. Foi no começo da carreira deles. Conheci alguns diretores com a Karen. E, repito, estou dando todo o apoio, mas no geral a empreitada é dela. O filho é dela. Mas eu estava lá para dizer: “O que fazemos agora?”, e para manter o processo funcionando. Foi incrível, como quando escolhemos o Adam [Rapp, diretor], o Mark [Subias, produtor executivo] pegou a bola. Eu não sabia que ele também era produtor. Ou que ele era, sabe, uma máquina.

Eu também não sabia que ele é uma máquina. Pensei que ele era apenas o agente do Adam.
Ele já tem a mesma linha de raciocínio que nós:.“Ah, esse é um negócio que o Adam nunca fez”, ele disse. Não é motivado narrativamente pelas palavras e, principalmente, pelas palavras que ele mesmo escreveu. Então você está tirando o chão do cara, entende?

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Ele está acostumado a ter total controle.
Sim, e a extrair as palavras também – OK, estou pedindo para você dirigir esse negócio aqui que você não escreveu e, aliás, não tem palavras, apenas alguns critérios, e eles não são enunciados de nenhuma forma, só expressos naturalmente na música. E aqui está a arte abstrata, o que acontece e para onde vai. Para o empresário dizer: “Você deveria fazer isso”. Ou o Adam pode ter dito: “Quero fazer isso” ou “Não sei o que vamos fazer com isso”. E o Mark dizendo: “É, isso é demais!”.

Bom, depois de cinco ou seis anos incubando o projeto ou esperando, acho que vocês estão cercados de pessoas incríveis nesse momento que fazem parecer…
As coisas acontecem quando têm que acontecer. Aprendi isso no mundo do teatro. Essas pessoas fazem as coisas acontecerem. Sabe, nada no mundo do cinema acontece dentro do programado. E aí você conhece essas figuras do teatro que dizem: “Podemos fazer. Temos o espaço, temos algum dinheiro. Só precisamos de umas pessoas”.

Seria interessante a energia do mundo do teatro tendo um impacto nos cineastas. É uma coisa que não acontece com muita frequência.
Na verdade, o mundo do teatro é melhor para viabilizar projetos de pouca verba, porque já existe um sistema que não é tão carregado quanto o cinema.

E, além disso, eles são obcecados com a pré-produção, o que é ótimo, porque isso leva à disciplina, que é o que você precisa para fazer uma coisa acontecer ao vivo. Não dá para editar e arrumar essa situação.
Eu ia falar exatamente isso. No cinema, você não ensaia tanto porque tem o recurso de escolher momentos para colar e montar uma interpretação, o que é injusto com o ator, porque ele quer construir uma atuação realística em tempo real. Mas o que acontece é que o diretor escolhe as cenas separadamente e decide: “Você está bem aqui, aqui e ali”. É uma espécie de Frankenstein da interpretação dos atores.

Isso não acaba com a interpretação? Talvez seja por isso que existam tantos atores que são como Muppets?
Você não tem mais o Playhouse 90s, em que havia apresentações ao vivo de uma peça teatral filmada sem cortes. No momento em que entrava no ar, não tinha como parar. Mas acho que os atores também aprenderam com isso e aprenderam a oferecer opções diversas. “Deixe-me tentar mais uma vez, deixe-me tentar fazer isso ou aquilo.” Então não acabou, não, é só um jeito diferente de atuar. Mas conseguir um bom resultado – com todas essas pecinhas coladas – também é algo incrível.

A capa que você fez para essa edição não é uma cena literal do Stop the Virgens, só foi inspirada na história. Como surgiu a ideia?
Tenho um grande amigo em Los Angeles que vem da familiazinha do Mark. Quando quero visualizar alguma coisa, chamo o Sonny [Gerasimowicz, diretor de arte]. Quando fizemos o planejamento para a capa, a Karen e eu tivemos algumas ideias, então consultei o Sonny e fiz um esboço. O Sonny é inteligente o suficiente para pegar a sua ideia e dizer: “Deixa eu brincar com isso aqui, deixa eu absorver o que você disse. Deixa eu sacar o que você falou e vou brincar também com algumas outras ideias.” Ele não se comporta como uma ferramenta literal, desenhando exatamente o que você falou para ele. A Karen e eu pensamos em várias ideias diferentes, em que ela estaria de um lado da página que de ponta cabeça se desdobraria de uma certa maneira. Mas o Sonny sugeriu: “Corta o pescoço, abre eas virgens saem rastejando”.