Danny Boyle fala sobre 'T2: Trainspotting'
Imagem principal: Young Fathers e Danny Boyle. Por Imogen Freeland

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Danny Boyle fala sobre 'T2: Trainspotting'

Ao lado da banda Young Fathers, responsável pelas trilha do filme, o diretor conta como foi filmar a sequência do seu cult de 1996.

(Imagem: Young Fathers e Danny Boyle. Foto: Imogen Freeland.)

Tem uma montanha em Edimburgo, na Escócia, adorada pelos locais. Dizem que o nome dela, Trono de Artur, foi tirado das lendas do Rei Artur. Os casais sobem a montanha e deixam cadeados de amor nas barras de metal do topo. A vista lá de cima é incrível.

Em T2 Trainspotting, um Renton rejuvenescido, interpretado por Ewan McGregor, agora livre da heroína, sobe a montanha correndo com facilidade, seguido por um suado Spud, interpretado por Ewen Bremmer. Largar a heroína é uma questão de achar uma nova obsessão, explica Renton. Como correr. No topo, a dupla senta na grama e observa Edimburgo — as ruas por onde eles corriam, gritando, 20 anos atrás; a cidade cuja cultura de drogas os fez desaparecer em tapetes e serem vomitados por privadas.

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"Caramba! É tipo o Rio ou a Cidade do Cabo", diz Danny Boyle, entusiasmado, pulando na ponta dos pés. "Tem essa coisa natural incrível — uma montanha — e a cidade histórica foi construída aos pés dela. É uma trilha íngreme com uma vista extraordinária. Você pode morrer lá se o tempo estiver ruim — as pessoas caem. Você sente que a montanha tem uma enorme força natural. Foi um dia ótimo quando filmamos lá em cima."

Renton e Spud observam Edimburgo (still de 'T2: Trainspotting').

A maior parte de Trainspotting acontecia em lugares fechados, como pubs sombrios, clubes úmidos, apartamentos onde os personagens usavam drogas, e foi filmado principalmente em Glasgow. Agora os personagens estão mais velhos e, na maior parte do filme, apesar de ainda apaixonados por drogas, ficam longe da heroína. T2 também explora Edimburgo, que parece ter evoluído desde o primeiro filme.

"Os lugares não mudaram muito porque essa é uma cidade histórica; ela é protegida por causa disso. É a energia da cidade que está diferente", diz Boyle. "A população de estudantes é enorme agora comparada com a de 1996, quando estivemos lá. Naquela época eram só estudantes de medicina metidos, e ainda são, mas há uma grande mistura agora. A cidade parece mais vibrante e mais europeia. É mais divertido estar lá e gostei mesmo de morar ali por seis meses. Edimburgo parecia um pouco afetada antes."

Estou num hotel do centro de Londres com Boyle e o Young Fathers, a banda vencedora do Prêmio Mercury que fez a trilha sonora de T2. "Lembra toda aquela reação das pessoas que achavam que Trainspotting retratava uma imagem ruim de Edimburgo?", pergunta G. Hastings, do Young Fathers, para Boyle. "Acho que o jornal local escreveu alguma coisa sobre o filme ser só sobre heroína. Era pesado." Boyle lembra bem. Apesar das críticas, o filme fez as pessoas quererem visitar a cidade — o tipo de pessoa que não dava a mínima para o Edinburgh Fringe Festival.

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É difícil ver como uma condenação parecida pode recair sobre T2. Além de mostrar as belezas do lugar, Boyle se esforçou para retratar sua Edimburgo do jeito certo.

"Fazer filmes é terrivelmente colonial. Te agarramos, tiramos o que queremos de você e depois foda-se, você nunca mais vai ouvir falar da gente." — Danny Boyle

"Quando começa a filmar, você tenta se incorporar ao lugar onde o filme se passa, conhecer as pessoas e não ser mais um estranho no lugar", diz Boyle. Irvine Welsh, que nasceu em Edimburgo, e escreveu o romance Trainspotting e Porno, o livro em que T2 se baseia, apresentou Boyle a várias pessoas envolvidas em trabalho com HIV da cidade. "Era uma questão de nos atualizar sobre a cena das drogas na cidade desde o primeiro filme", diz o diretor. "Conheci um cara que fez um filme sobre a vida dele, que é muito brutal e brilhante. Fiz dele o diretor da segunda unidade."

Danny Boyle (retrato por Imogen Freeland).

Boyle tem fortes opiniões sobre a ética envolvida em fazer um filme. "Você chega com todo esse dinheiro e o gasta na cidade — assim como a equipe — então há um benefício econômico, e é por isso que as cidades muitas vezes encorajam que você filme nelas. Mas deveria haver um benefício cultural nisso também. Tem outro cara que mora no topo de um dos blocos de apartamentos em Greendykes, e ele ainda é viciado em heroína, então falamos com ele e usamos seu apartamento como locação, e pagamos o aluguel do espaço. Estávamos tentando pagar adiantado em vez de ficar beliscando aqui e ali. Tem sempre um perigo nisso… fazer filmes é terrivelmente colonial." Boyle me agarra forte pelos ombros e me chacoalha para mostrar o que quer dizer. "Te agarramos, tiramos o que queremos de você e depois foda-se, você nunca mais vai ouvir falar da gente. Então tentamos não fazer isso agora. Bom, ainda fazemos, mas tentamos não fazer."

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Levou muito tempo para trazer T2 às telas. Dez anos atrás, John Hodge, roteirista dos dois filmes, tentou adaptar Porno, mas o sentimento unânime era de que o filme não devia ser feito. Além disso, Boyle e McGregor brigaram quando Leonardo DiCaprio foi escalado como protagonista em A Praia em vez de McGregor, que até aquele ponto tinha uma relação de trabalho especial com o diretor.

"Aí o John escreveu algo muito mais pessoal. Quando Renton diz 'Tenho 46 anos e estou fodido' e ele tem 'mais 30 anos pela frente e que diabos vou fazer com isso?', esse é o John", diz Boyle. "Ele estava escrevendo através do prisma desses personagens e não parecia ir pelos números da história do Irvine. Parecia mais cru. Por isso decidimos fazer. Achamos que esse roteiro era algo que podíamos mandar para os caras e eles iriam gostar."

Still de 'T2: Trainspotting'.

Ainda assim, as expectativas dos críticos e fãs do primeiro filme, de que a continuação podia foder com o legado do original, ainda pairam sobre o lançamento de T2. Trainspotting é lendário. Para adolescentes, conhecer o filme de trás pra frente é um capital cultural parecido com adorar O Apanhador no Campo de Centeio ou que se identifica num nível pessoal com Junk de Melvin Burgess. Pense em quanto dinheiro a HMV ganhou com todos os cartazes de "Choose Life" que vendeu. Para os moleques crescendo em Edimburgo, como os caras do Young Fathers, o filme era, como Kayus Bankole diz, "uma bíblia".

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"O filme é um rito de passagem e era uma coisa pra se orgulhar quando eu era moleque", diz Alloysious Massaquoi. "Eu andava com os caras mais velhos, e pensava 'Conheço pessoas como essas do filme — esses malucos'. Parecia real. Além disso, era um filme de sucesso com atores escoceses." G. Hastings acrescenta: "Foi a primeira vez que ouvi alguém falando como eu num filme. Irvine Welsh faz uma participação especial e ele é da mesma área que eu, então ele tem o sotaque do norte de Edimburgo. Não consigo imaginar como é ser uma pessoa de fora de Edimburgo assistindo a esse filme."

Renton e Sick Boy num still de 'T2: Trainspotting'.

Um dos fatores para o apelo cult do filme original era a trilha sonora. Como ele mesmo admite, Boyle costumava ser "bom pra caralho" em escolher trilhas. Mas agora é mais difícil: "Quando você fica velho, alguém menciona uma banda e você diz 'Quem?'"

A música do Young Fathers foi o que ele definiu como a nova "batida cardíaca" de Edimburgo. "Foi só depois, quando estávamos fazendo a publicidade [do T2], que percebi que essa música nasceu do mesmo lugar onde Irvine estava escrevendo essas histórias e personagens", diz Boyle. "Tinha essa ligação. Usamos quatro ou cinco músicas deles na trilha, mas poderíamos ter usado outra meia dúzia. Você podia ter feito o filme inteiro com eles."

Não era só a música que tinha que ser perfeita — os atores tinham que competir com algumas das melhores performances de suas carreiras. "Eles estavam ansiosos. Dava para perceber. Eles não queriam fazer merda", admite Boyle. "Seria uma humilhação se o filme fosse ruim." Numa aparente tentativa de abordar a enormidade do filme original, T2 é extremamente autorreferencial. Há flashbacks, muitos deles parte da história de Spud nos anos de Trainspotting, e Renton até tenta atualizar o discurso de Escolha a Vida para 2017.

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"O primeiro filme era quase um artefato, e os personagens sabem que o primeiro filme existe", diz Boyle. "Só tem um minuto do Trainspotting original nesse filme. Parece muito mais, mas não é. Usamos isso como um recurso, e os atores sabiam o problema disso. Quem está melhor no meio dos 40 anos do que com 20 e poucos anos? Eles sabiam que seria foda. Mas isso os conecta conosco porque os atores muitas vezes parecem diferentes de nós, mas eles envelhecem como todo mundo. Esse é o destino comum de todos nós."

Spud num still de 'T2: Trainspotting'.

O que T2 faz bem é retratar um grupo de homens fazendo uma tentativa muito fraca de deixar o passado para trás. Renton volta a Edimburgo, apesar de ter fugido para Amsterdã, e leva só uns quinze minutos para os personagens voltarem aos velhos golpes. A atração do lugar é duradora; se eles conseguissem sair de Edimburgo, talvez pudessem cortar laços com todas essas pessoas e substâncias tóxicas, e mudar seu próprio comportamento venenoso.

"Venho de Manchester e é a mesma coisa. Você pensa 'Vou sair daqui e fazer progresso', mas ainda acaba lá", diz Boyle. "Dizem que 93% dos britânicos morrem dentro de 11 quilômetros de onde nasceram. Você acaba voltando para onde começou."

Em Trainspotting, vemos Renton bebendo vodca e dizendo: "É uma merda ser escocês. Somos a escória da Terra!" Mas Renton nunca vai ter a força para sair de Edimburgo — e nenhum dos outros também.

'T2: Trainspotting' estreia nos cinemas brasileiros no dia 16 de fevereiro.

@hannahrosewens

Tradução: Marina Schnoor

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