O Fotojornalismo Brasileiro Não Morreu

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O Fotojornalismo Brasileiro Não Morreu

Enquanto especulam sobre a morte do fotojornalismo profissional, o Fernando Costa Netto e a Mônica Maia apostaram nele. Batemos um papo reto com os criadores da DOC Galeria.

Enquanto alguns questionam o futuro — e o presente — do fotojornalismo profissional, o Fernando Costa Netto e a Mônica Maia apostaram nele. Criaram um espaço onde a fotografia documental e jornalística é mostrada, discutida e valorizada, a DOC galeria — e escritório de fotografia.

Além de exposições, a DOC promove workshops e encontros, e organiza eventos nos quais o público pode conhecer o que há de melhor na fotografia documental no Brasil, onde gerações de fotógrafos brasileiros podem aprender juntos.

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Um dos projetos mais importantes deles é a Mostra SP de Fotografia, um evento anual que está na 5ª edição, que começou semana passada na Vila Madalena.

Fui até lá e conversei com a Mônica e o Fernando sobre a DOC, o fotojornalismo no Brasil e a nova geração de fotógrafos que ganhou visibilidade com os protestos que tomaram conta do país a partir de junho 2013.

VICE: Vamos falar um pouco sobre a história de vocês com a fotografia.
Mônica Maia: Minha história com a fotografia começou no jornalismo. Trabalhei como fotógrafa por três ou quatro anos, fazendo todo tipo de pauta no Estadão. Em 1990, fui convidada para ser editora e criar a Agência Estado. E fiquei mais de dez anos como editora. Depois passei alguns anos na Folha, como editora de fotografia. No Estadão, passei de todo o processo analógico para o digital. A gente tem essa idade, então tem o privilégio de ter tido essas experiências [risos]. Um dos últimos trabalhos que fiz no Estadão foi inaugurar o FotoRepórter, que é a participação de todo mundo no jornal, um projeto bem legal. Daí o Fernando me convidou para trabalhar na 3ª Mostra SP de Fotografia, e foi dessa mostra que nasceu a DOC. Depois que a gente desmontou a mostra, começamos a conversar sobre vários projetos de fotografia, e decidimos abrir um escritório de projetos de fotografia com galeria. Desde o começo, a ideia foi desenvolver projetos em diversas áreas.

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Então a 3ª Mostra foi há dois anos?
Foi em janeiro de 2012, e a gente abriu a DOC em junho de 2012.

Fernando, conta um pouco da sua história com a fotografia.
Fernando Costa Netto: Comecei no jornalismo escrevendo, fui um dos fundadores da Trip, em 1986. Comecei a fotografar em 1990, porque gosto de viajar sozinho e senti necessidade. Primeiro, por gostar de fotografia, mas depois por necessidade, mesmo, de fotografar. Escrever e fotografar. E foi em El Salvador em 1990. De lá pra cá não parei mais. Fiz algumas revistas, projetos pessoais e fui parar no hard news a convite da Folha para dirigir o Notícias Populares em 1997. Fiquei quatro anos no NP, depois voltei para a Trip como repórter especial por mais um ano, e aí fiquei como frila, fiz a Mostra, e a gente abriu a DOC. Hoje, a Mostra é o maior evento expositivo de São Paulo. Este ano, a gente recebe a Magnum em um dos eventos paralelos. É a primeira visita oficial da Magnum ao Brasil desde 1947. Eles vão fazer um workshop de uma semana com o Abbas e o Moises Saman, além de uma palestra no MAM. A Mostra é a ocupação de um bairro de São Paulo pela fotografia — cafés, galerias, lojas, bares, muros e postes. São 40 exposições e mais de 150 fotógrafos envolvidos.

MM: Tem vários coletivos.

FCN: E uma agenda paralela. A Academia [Paulista de Fotografia] é um projeto que a gente está lançando junto com a mostra. A semana Magnum tem saídas fotográficas, tem um ciclo de projeções todas as terças-feiras. É um evento bem complexo. É um festival de fotografia de 30 dias. E é temático de São Paulo, então, a gente cria uma documentação de São Paulo.

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E os trabalhos são todos recentes?
FCN: Pelo menos metade dos trabalhos foi produzindo no ano anterior ao evento, e a outra metade são trabalhos de outras épocas. E a DOC hoje é uma galeria mais voltada ao documental, que é a nossa área, é onde a gente se sente mais à vontade para trabalhar, para dar palpite. O nosso olho é esse.

MM: E a gente acompanha bastante os jovens desde 2013 nas manifestações.

FCN: A gente acompanhou o trabalho de todo mundo, viu o que estava sendo produzido no Brasil inteiro. Criamos aqui dentro, junto com o Mauricio Lima, o FotoProtestoSP, que é outro projeto.

E a DOC apoiou o trabalho dos fotojornalistas que cobriram os protestos.
FCN: A gente deu uma anabolizada, meteu a lente de aumento nos protestos.

MM: E a gente convidava todo mundo para vir pra cá, pra debater.

FCN: Nós tínhamos reuniões semanais, quinzenais, sobre a rua. A gente discutia o que estava acontecendo.

Isso porque a DOC é mais do que uma galeria.
FCN: Sim. Assinamos DOC galeria e escritório de fotografia.

MM: A gente faz bastante bate-papo com o autor. É uma coisa que tem sido bem rica.

Com os fotógrafos que expõem aqui?
MM: Sim, fechamos a exposição com uma visita guiada e um bate-papo com o autor.

E como é o público? A maior parte são pessoas envolvidas com o jornalismo, com a fotografia, ou é mais variado?
MM: Muito envolvido com a fotografia, o jornalismo, áreas de comunicação em geral. Nos cursos, o público é um pouco mais amplo. A gente percebe que depois da fotografia de celular, as pessoas começaram a se interessar pela fotografia, se interessar em melhorar a fotografia e até a comprar equipamento também.

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Isso é interessante de falar. Tem muita gente que diz que o fotojornalismo morreu.
MM: Não! Muito pelo contrário — ascendeu loucamente. [risos]

FCN: Na minha opinião, tem uma geração que resgatou a autoestima do fotojornalismo. Primeiro o Mauricio Lima. Depois o André [Liohn], que mostrou também que dá. E depois você. E aí vieram as manifestações, na sequência. A mulher está na Síria, o outro está no New York Times, o outro está ganhando prêmio, sabe? Então todo mundo viu que dá. Porque ninguém quer sair de trás da mesa, na real.

MM: E junho fez as pessoas saírem de trás da mesa.

FCN: Em junho de 2013, todo mundo foi pra rua. E apareceram pessoas como o Drago [Victor Dragonetti], apareceram projetos como o 12pm, o SelvaSP. Apareceu muita coisa. E uma geração de ouro. O Drago é um golden boy, o Drago é foda. Ele nasceu em junho de 2013, e em novembro de 2013 ele ganhou o prêmio Esso. E supermerecido. O trabalho dele é realmente descolado dos outros. Não tem conversa. Ele descobriu quem ele é com o hard news.

Como vocês acham que essa nova geração se compara à anterior?
MM: Essa geração é bem diferente da minha, de quando eu comecei a fotografar. Eles trocam muito, eles crescem juntos. Estão sempre trocando informações, dicas.

FCN: E criando coletivos.

MM: Criando coletivos. Para todo mundo somar, para todo mundo ganhar com isso.

E eu vi no site da DOC que um colecionador comprou algumas fotos dos protestos.
FCN: A gente recebeu aqui o maior colecionador de fotos do Brasil, de Fortaleza. O nome dele é Silvio Frota. Ele veio aqui procurando fotos de guerra e a gente falou que queria mostrar o trabalho de um menino de 22 anos para ele. Ele disse que fotos das manifestações não o interessavam. Mas a gente mostrou o trabalho do Drago e ele comprou a série inteira. Comprou as 20 fotos. O Silvio está criando um museu da fotografia em Fortaleza. Ele investe muito, tem tudo da ditadura no Brasil. E adora fotografia de guerra. Ele veio aqui para conversar sobre o Mauricio Lima. Tá comprando Yuri [Kozyrev], tem Paolo Pellegrin.

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O trabalho do Yuri através da agência Noor?
MM: Através do [Francesco] Zizola.

FCN: Então ele é um cara bem antenado, com foco na fotografia documental.

Bom saber que isso está acontecendo no Brasil.
FCN: E esse cara eu respeito, apoio, promovo, porque ele é realmente uma avis rara dentro do cenário da fotografia. Ele tá um step ahead de todo mundo, de todos os outros colecionadores que só falam na fotografia contemporânea. Não acho que sejam ignorantes, mas são limítrofes. Eles não conseguem enxergar além do que os jornais estão falando que é bonito. Esse cara não, ele vai atrás da fotografia que conta história. Ele não fecha o olho para outras imagens, mas ele investe mesmo é na documental.

**

Depois do nosso bate-papo na DOC, fiquei por lá para assistir a primeira noite de projeções da 5ª Mostra SP de Fotografia. O trabalho apresentado foi do coletivo SelvaSP e convidados. Os fotógrafos estavam por lá para prestigiar a Mostra e o trabalho dos colegas. Uma galera de 20 e poucos anos, estupidamente talentosa e cheia de energia para calar a boca de qualquer pessoa que acha que o fotojornalismo morreu.

E, se depender da DOC, não vai faltar espaço para mostrar e aprimorar o trabalho de todos, cada um com seu próprio estilo e olhar, mas com um espírito de coletividade inspirador.

A Alice Martins é fotojornalista e, pra gente, já colou na Síria e em protestos em SP.

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Mais informações sobre a DOC, workshops, eventos e a 5ª Mostra SP de Fotografia aqui.

Érico Hiller

Mauricio Lima

Mauricio Lima

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Drago

Drago

Drago

Ana Carolina Fernandes

Ana Carolina Fernandes

Érico Hiller

Érico Hiller

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