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O novo Homem-Aranha tenta curtir adoidado a vida de herói

Ferris Bueller poderia ensinar umas coisinhas pro Peter Parker.
Imagens: Sony Pictures/Marvel/Divulgação

Depois de apresentar o Homem-Aranha duas vezes no cinema para uma só geração, a Marvel Studios e a Sony acertaram em deixar de lado a história de origem do herói para retratar o seu cotidiano no novo Homem-Aranha: De Volta Ao Lar. O filme, que estreia no dia 6 de julho no Brasil, está mais distante dos encadernados especiais que tentam resumir apressadamente tudo o que ele representa e, em vez disso, conta uma história que se parece com as narrativas dos quadrinhos mensais, indo mais a fundo nos propósitos do Homem-Aranha e, principalmente, do Peter Parker.

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Para todos os efeitos, esse é um filme do adolescente por trás da máscara, e não do herói. Este Homem-Aranha é, antes de tudo, um filme adolescente. Não – é um filme adolescente em que o adolescente em questão tem superpoderes, mas, ao contrário de outras franquias de cinema fantástico infanto-juvenil que desenrolam dramas similares, não são os poderes que definem a trajetória do personagem, mas sim os conflitos que Peter Parker tem como um adolescente que tenta encontrar o seu lugar no mundo – ou, sendo mais específico, um herói adolescente que tenta fazer parte do panteão de heróis adultos que ele admira.

Ao contrário dos Vingadores, heróis com motivos sólidos e personalidades definidas, o Homem-Aranha sempre foi um herói em formação, que está menos preocupado em salvar o mundo, e mais interessado em cuidar do próprio bairro e impressionar os colegas da escola. E isso fica claro nesse novo Homem-Aranha. Nunca ele foi tão bem retratado como um herói do cotidiano – desses que resgata bicicletas roubadas, não tenta mandar um exército de alienígenas de volta para um universo paralelo. Mas esse lado filosófico adolescente só funciona porque o filme é um recorte do dia-a-dia do herói.

O filme consegue reproduzir o mesmo tom do drama adolescente pelo qual o cineasta John Hughes ficou conhecido nos anos 80, mas com uma estética de cinemão contemporâneo. Não é à toa que um dos trabalhos mais conhecidos do diretor é referenciado diretamente em Homem-Aranha: numa cena de perseguição, o herói passa por um jardim onde várias pessoas estão assistindo a Curtindo a Vida Adoidado, o filme clássico de Hughes que conta a história de Ferris Bueller, um adolescente que fugiu da escola por um dia junto com seu melhor amigo e sua namorada para entender os seus papéis no mundo.

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Peter Parker esconde os seus conflitos internos embaixo de camadas de ironia e um compromisso distorcido em ser um super-herói idolatrado na internet. Assim como Ferris, o que move Peter é uma carência afetiva e um desejo de se destacar entre os demais, que são os verdadeiros motivos pelo qual ele acorda todos os dias e se veste com um macacão vermelho apertado para socar bandidos.

Mas diferentemente de Curtindo a Vida Adoidado, Homem-Aranha é um filme que tropeça no próprio rabo. Como a maioria dos filmes do universo cinematográfico da Marvel, o roteiro dá voltas desnecessárias para martelar a mesma mensagem – quantas vezes o Peter Parker precisa levar bronca em um filme de duas horas para entender as responsabilidades de um super-herói? – e se perde na enorme, gigantesca, imensurável quantidade de piadas que tentaram encaixar ao longo do filme. Mesmo para um filme do Homem-Aranha, o herói mundialmente conhecido por soltar tantas piadas quanto jorra teias pela cidade, a obsessão irritante da Marvel em fazer filmes engraçados o tempo todo atrapalha mais do que complementa o personagem.

Não é só que essa necessidade de encaixar uma piada em toda cena incomoda; a estrutura também acaba com o timing das piadas que funcionam. O Peter Parker é um personagem engraçado, mas como todos os outros personagens ao redor dele fazem piadinhas o tempo todo, o seu humor irônico com a bandidagem do filme perde o brilho. É difícil de acreditar – e extremamente entediante – que o Homem-Aranha viva em um universo igual aos filmes do Adam Sandler, em que absolutamente todos os personagens parecem que fazem freela de comediante nas horas vagas.

Em Curtindo a Vida Adoidado, boa parte do humor era reservado às quebras de quarta parede, quando Ferris Bueller, interpretado por Matthew Broderick, virava pra plateia e dizia alguma coisa engraçada sobre a cena ou os outros personagens. Mas o humor de Homem-Aranha é tão descolocado e intrusivo que eu esperava a qualquer momento que Peter Parker, muito bem interpretado por Tom Holland, virasse pra tela do filme, quase fora de personagem, e falasse, "Curtiu essa piada, né? Esse filme é engraçadão, você não acha?". É como se cada piada tentasse forçar uma relação de amizade íntima entre o público e o filme, deixando de lado o drama adolescente, que dão base justamente pros momentos que mais trazem uma sensação de proximidade com o personagem.

O segredo do humor em um drama adolescente está na sutileza como as piadas são usadas para complementar os conflitos dos personagens, principalmente para destacar como eles se sentem perdidos no mundo – o que é uma pena, porque esse filme acerta em cheio em retratar a incrível jornada adolescente de aceitação própria e perante a sociedade pela qual o Peter Parker está passando. Talvez Parker pudesse aprender algumas coisas com Bueller e, em vez de tentar impressionar a todo mundo, apenas devesse curtir a sua vida fantástica adoidado.

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