Os Punks Frustrados de Myanmar

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Os Punks Frustrados de Myanmar

Ko Gyi passou dois anos em Mianmar fotografando shows de punk e a público que os frequenta, então entrei em contato com ele para fazer algumas perguntas.

Até dois anos atrás, uma junta militar comandou Myanmar (antiga Birmânia) por quase 50 anos. Então, quando você pensa no povo birmanês (o que tenho certeza que faz várias vezes por dia), você provavelmente imagina soldadinhos de chumbo marchando em fila indiana pelas ruas para outro dia de serviço não remunerado numa infernal fábrica de munição. Ou não. Talvez você imagine um cara jovem que parece o Rufio do Hook – A Volta do Capitão Gancho se ele tivesse crescido e montado uma banda cover do Capitalist Casualties.

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Em 2010, a junta militar permitiu eleições que, apesar de terem sido consideradas fraudulentas pela maior parte da comunidade internacional, acabaram abrindo caminho para reformas que incluíram a libertação de Aung San Suu Kyi, a líder da oposição que estava em prisão domiciliar há 15 anos.

Anos antes dessa guinada para um relativo liberalismo, o país viu o florescimento da subcultura underground dos punks e dos headbangers na cidade de Rangum. Isso começou quando alguns jovens conseguiram fitas cassete e CDs com marinheiros de navios mercantes que passavam pelo país. Lentamente, a cena se formou e bandas começaram a fazer pequenos shows, ao mesmo tempo que tentavam evitar chamar a atenção da notória polícia birmanesa.

O fotógrafo tailandês Ko Gyi passou dois anos em Myanmar quando a junta ainda estava oficialmente no comando — as reformas também garantiram que os generais da junta ficassem com bastante poder nas mãos. Ko fotografou os shows de punk e a comunidade que os frequentava, então entrei em contato com ele pra fazer algumas perguntas.

VICE: Como você conseguiu entrar em contato com essa galera?
Ko Gyi: Sempre me interessei por subculturas, particularmente as culturas jovens, e mesmo antes de ir para Rangum eu já tinha em mente que queria fotografar um lado mais criativo e rebelde de Myanmar. Não fazia ideia de quais culturas alternativas encontraria por lá, mas logo que cheguei ouvi falar sobre um show de punk num parque. Foi a primeira vez que realmente pude ver as pessoas usando moda alternativa abertamente.

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Tirei algumas fotos e conversei com as pessoas sobre as bandas. Elas me receberam muito bem. Alguns dias depois, me encontrei com o guitarrista de uma delas para tomar um café. Mostrei as fotos que tinha feito e fui me incorporando cada vez mais à cena.

Você diria que, em termos de música e moda, essas bandas são influenciadas mais pelo punk e metal do Reino Unido ou dos Estados Unidos?
Há muitas influências musicais tanto do Reino Unido como dos Estados Unidos. As influências do Reino Unido são principalmente do punk clássico: Sex Pistols, Clash e Buzzcocks. Então a maioria das influências contemporâneas parece ser dos Estados Unidos, especialmente para as bandas de hardcore e metal. Mas você encontra muita diversidade nas coisas que as pessoas escutam.

Quanto ao estilo, há uma divisão entre os punks e fãs de metal e hardcore. Muitos punks consideram o jeito de vestir e a maneira de agir como parte da cena, e eles são claramente influenciados por Johnny Rotten, Sid Vicious e Ramones — muitas jaquetas com rebites, moicanos e coturnos. Mas as bandas de metal e hardcore parecem menos interessadas em algum estilo em particular. Para eles, só um jeans e uma camiseta de banda já bastam.

Sobre o que essas bandas cantam? Contra o que eles se revoltam?
Há muitas respostas para isso, e é importante distinguir os diferentes motivos para se envolver com a cena. Claro, tem aqueles que querem fazer uma declaração política, se rebelar contra o que resta do Estado opressor, e isso se reflete nas coisas que cantam e no jeito como agem. E, ao mesmo tempo, muitos outros estão interessados apenas na música e no estilo — não em anarquismo. Mas uma coisa que une a todos é a frustração, todo o material deles precisa passar por um conselho de censura do governo, o que significa que mesmo as bandas mais políticas precisam limitar o que cantam.

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Sério? Eles não se preocupam em ser pegos pelas autoridades?
Eu não diria que frustração é provavelmente o que eles mais sentem. Eles se tornaram muito bons em se expressar por metáforas e saber até onde podem ir num certo assunto. Mais ainda assim, o fato de que precisam submeter tudo a um conselho de censores os deixa muito frustrados.

Posso imaginar. Quantas bandas dessas existem lá? De que tamanho é a cena?
O número de bandas de cada gênero é bem pequeno, então os shows acabam sendo uma mistura de punk, rock, metal e hardcore. Uma banda conhecida, mesmo underground, pode levar uns duzentos fãs para um show.

Quais são as bandas mais populares da cena?
As principais bandas punk no momento são a No U Turn e Rebel Riot. Depois temos uma banda de rock indie chamada Side Effect, e o Married for the Pain é uma novidade na cena de hardore experimental de Myanmar.

É difícil para eles organizarem os shows?
Sim, essa é uma das maiores dificuldades, há poucos lugares dispostos a receber essas bandas. A maioria delas nem tem seu próprio equipamento, e é difícil conseguir permissão para tocar. Fiquei por lá dois anos e meio e vi menos de dez shows.

Onde eles conseguem os instrumentos?
Os instrumentos são geralmente imitações chinesas, que são bastante disponíveis, mas continuam relativamente muito caros para o birmanês comum.

Você esteve em algum show que foi interrompido pela polícia?
Sim, em muitos. Os que eram feitos a céu aberto tinham uma segurança reforçada e a presença da polícia, mas eles só interferiam se houvesse violência na plateia, e duvido que fosse muito diferente do que acontece em qualquer outro tipo de evento. Os shows podiam continuar depois que as pessoas que estavam causando problemas eram retiradas do local.

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Você sabe que algum membro de banda que foi preso por causa disso?
Não por serem punks, mas por outras razões, sim. Ouvi histórias sobre alguns caras, particularmente os que usam o visual punk completo, que foram incomodados pela polícia, mas isso é bem menos comum hoje do que antes. Ouvi histórias mais antigas sobre punks que foram presos e tiveram a cabeça raspada — similar ao que ainda acontece na Indonésia —, mas parece que isso não acontece mais. Não em Rangum, pelo menos.

Você tem planos de voltar para lá?
Sim, vou voltar de vez em quando para rever amigos. Atualmente dirijo uma organização em Chiang Mai chamada Documentary Arts Asia, que apoia fotógrafos e diretores documentais. Temos uma galeria, uma biblioteca, um centro de treinamento e uma sala de cinema para a exibição de trabalhos documentais. Planejamos fazer a mesma coisa em Rangum, mas talvez demore alguns anos até o país estar aberto o suficiente para isso.

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