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Música

Gaby Amarantos e a Profecia do Norte

A paraense trabalhou duro para ser um símbolo das suas próprias convicções.

Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.

Pode-se dizer que Gaby Amarantos estava sendo um pouco profética ao fazer o clipe de “Xirley”. Quando o vi na televisão, no final de 2011, a cantora encarnava a personagem Xirley Xarque, aspirante a cantora e celebridade. No vídeo, Xirley vai de vender seus discos num camelô a aparecer na TV e liderar seu próprio trio elétrico. Uma história em que qualquer semelhança não parece mera coincidência quando pensamos na própria trajetória da Gaby.

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Foto por Bruna Brandão.

Depois desse clipe, o nome da cantora começou a aparecer cada vez mais — me lembro de ter visto a paraense ser a primeira artista da região Norte do Brasil a ganhar um VMB, premiação da MTV, (e bradar “esse é o primeiro VMB da Amazônia!”), de ter ouvido uma música sua como canção de abertura da novela Cheia da Charme, da Globo, e até mesmo de ter lido que a cantora havia sumido da mídia pra cuidar de sua mãe, que não resistiu a um câncer de pulmão tendo falecido no ano passado.

A impressão que tenho é que Gaby trabalhou para que o ciclo de “Xirley” se fechasse. Desde aquela época, a cantora me parecia estar disposta a lutar pelo seu trabalho e se tornar uma espécie de símbolo do que acredita; seja o Norte, o tecnobrega, ou o fato de que não precisa se encaixar num padrão para divulgar sua música. E foi o que ela fez.

Gaby é dona de sua própria história. Felizmente, ela não se importou de compartilhar um pouco dela comigo. Leia a nossa conversa:

NOISEY: Como você começou a trabalhar com música?
Gaby: Eu comecei a trabalhar com música com 18 anos; comprei meu primeiro teclado, montei minha primeira banda. No início, era tudo muito despretensioso, eu só queria tocar em pequenos eventos, bares, aniversários — era algo pra sobreviver, que eu fazia por lazer, por amor. A música não tinha um foco de se tornar algo profissional, mas eu já era remunerada por isso, então já era um trabalho.

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Você já sofreu algum preconceito ou situação constrangedora no meio musical por ser mulher?
Sim, no início eu sofri muito por ser mulher, por ser negra, por ser da periferia, e foi muito difícil. Recebi muitos nãos, mas persisti, acreditei no meu talento, montei meu próprio trabalho, deu certo e eu tô aí fazendo sucesso.

Você já sentiu que sua aparência influenciou de alguma maneira o modo que você foi tratada nesse meio?
No início, eu não era aquele tipo de artista que um empresário de banda fosse investir ou acreditar — e eu procurei vários empresários, dizia que tinha talento, pedia oportunidades, mas as pessoas olhavam para minha aparência e me julgavam, como se isso medisse meu talento. Então, eu procurei ser dona do meu próprio trabalho, montei minha própria banda e fui divulgando minhas músicas na internet, ainda de uma forma muito tímida. Vendia meu CD nos camelôs, citava minha música em qualquer oportunidade que tinha, levava pen drives, eu fazia de tudo para divulgar meu trabalho, sempre acreditando que eu ia desabrochar, que as pessoas iam saber do meu trabalho de cantora, compositora; sempre acreditando que eu sou uma artista que tem a capacidade de estar à frente de um trabalho. Era assim que eu me via, como alguém estava à frente, liderando multidões, animando muitas pessoas — era isso que eu queria e sempre busquei pra minha carreira. Então qualquer dificuldade, preconceito, porta fechada, sempre servia pra me fortalecer, me fazia ter mais garra pra lutar.

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Que mulheres você tem como influência/referência?
Tenho várias mulheres como influência e referência, começando pela minha mãe, uma mulher que aprendeu vários ofícios sozinha, sempre estudou e sempre me ensinou que eu poderia ganhar a minha vida e sobreviver fazendo qualquer coisa, desde que eu tivesse força e coragem pra trabalhar. Posso citar também mulheres que estão por aí fazendo sucesso no Brasil e que não se enquadram nesses padrões [de beleza], como a Regina Casé, uma artista incrível, Fabiana Carla também uma artista e comediante maravilhosa, Cacau Protásio, e outras mulheres que só me emocionam e que me fazem acreditar que a gente não precisa se enquadrar em lugar nenhum.

Você vê melhorias na indústria musical? Acha que está surgindo mais espaço para mulheres?
Acho que a indústria musical tá vivendo um momento em que ela precisa se modernizar, se renovar. O público brasileiro precisa abrir a mente pra outros estilos musicais; tá ficando tudo muito chato, tudo muito igual e [dessa renovação] é que vai surgir um momento muito bom e criativo. E vejo as mulheres ainda precisando conquistar muitos espaços na indústria musical. Que eu me lembre, sou a única artista mulher que tem uma empresária também mulher. Há pouco tempo, eu procurei uma mulher que fosse produtora e diretora musical pra produzir um disco pra mim e, com as pessoas que eu procurei, todo mundo ficava sem saber me responder. “Gaby, eu não sei não, eu acho que não tem, eu acho que não existe”. Então, eu quero ver as mulheres conquistando mais ainda esses espaços, que são espaços pra pessoas que têm competência, independente do sexo.

Você tem dicas para mulheres que estão começando agora na música?
Bom, a única dica que eu posso dar é a da minha própria experiência enquanto uma artista que é fora dos padrões mas conseguiu mostrar pras pessoas que a música tá além de tudo. Acho que também tem a ver muito com o meu jeito de ser, de sempre acreditar, de nunca deixar esses estereótipos e esse padrão que a sociedade quer impor me sufocar. Então, eu quero que as meninas sejam corajosas, que elas olhem pra frente, que qualquer preconceito ou dificuldade que elas tenham enfrentado ou venham a enfrentar sirva pra fortalece-las, cada vez mais. E eu vou ficar aqui torcendo pra que cada vez mais artistas negras, mulheres, lutadoras, mães solteiras, possam conquistar seu espaço no mundo da música.

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