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Música

J. Cole '09 Até o Infinito

Este ano, a turnê é para celebrar o aniversário de cinco anos de sua mixtape "The Warm Up" – o projeto em que trabalhava quando se tornou o primeiro artista a ser contratado pelo novo selo de Jay Z.

Numa tarde de sábado, alguns milhares de seguidores de J. Cole estão semeando o caos pelo centro de Raleigh, Carolina do Norte, tentando descobrir qual casa de shows será usada como o "local secreto" para esta parada da turnê Dollar and a Dream. Antes que Cole possa tuitar o nome do lugar para seus 5,3 milhões de seguidores, seus fãs da Carolina do Norte já decifraram o código e começaram a tomar todo o quarteirão em que fica situado o Lincoln Theatre, um espaço de 800 lugares no centro da cidade.

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A estrela da Roc Nation acabou de aterrissar no Aeroporto Internacional Raleigh-Durham, vindo de Miami, onde, duas noites atrás, no Grand Central, uma multidão de proporções equivalentes deixou a polícia assustada o bastante para cancelar o segundo show que Cole faria aquela noite. Se tudo correr bem, isso não vai acontecer aqui em seu estado natal, onde ele também planeja fazer dois shows seguidos. Cacete, talvez ele até resolva fazer um terceiro.

Em seu segundo ano, a turnê Dollar and a Dream tem sido um veículo para que o rapper de 29 anos demonstre seu apreço pelos seus fãs antigos, cobrando apenas um dólar pela entrada dos "shows secretos". No ano passado, a turnê foi para promover seu segundo disco, Born Sinner. Este ano, é para celebrar o aniversário de cinco anos de sua mixtape The Warm Up – o projeto em que trabalhava quando se tornou o primeiro artista a ser contratado pelo novo selo de Jay Z. Ausente em The Warm Up, uma versão do imortal hino à bunda de Sir Mix-a-lot, "Baby Got Back", que Cole pensou em gravar durante os estágios finais da produção de The Warm Up. Em vez dela, colocou um sampling de "Ladies", do Lee Fields and the Expressions. Foi a confissão de Cole durante o primeiro de seus dois shows naquela noite em Raleigh, antes de entrar com os versos iniciais, "I like big butts and I cannot lie…". Trinta minutos depois de descer do palco para um intervalo entre os shows, conversamos nos bastidores sobre The Warm Up e sobre como talvez ele devesse repensar a ideia de "Baby Got Back".

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Noisey: Lembro de você no início dos anos 2000, quando usava o codinome "Therapist". Você costumava ir a um evento semanal de hip hop no Local 506, em Chapel Hill. Acho que era chamado Microphone Mondays.
J. Cole: Isso aí. Eu estava prestes a entrar na faculdade. Isso foi no verão de 2003. Não cuspia, mas costumava ir lá para as batalhas de produtores. Numa segunda-feira eles faziam as batalhas de produtores e na segunda seguinte, as batalhas de MCs. Eu queria tocar minhas batidas contra os manos e ver como a coisa ia sair.

Você não tinha nenhum interesse em fazer rap naquela época?
Nem. Eu já tava fazendo. Só não me importava com me provar para os outros. Sabia que ninguém podia mexer comigo, e não queria participar das batalhas, porque na época do segundo grau teve uma hora que passei muita vergonha. Eu sabia que não era a minha onda. Subi no palco uma vez, tinha uns 15 ou 16, contra uns caras de 'Ville [Fayeteville] que não faziam nada na vida além disso. Eu tinha uns versos muito loucos, escritos e de cifra. Mas em termos de zoar o tênis ou a camiseta dos outros – nisso eu não era bom.

Mas naquela época, você se sentia pressionado a frequentar a área do Triangle, onde havia um mini renascimento do hip hop na Carolina do Norte acontecendo, com Litte Brother e outros?
Não. Fiquei fascinado. Estava começando a ouvir falar de Little Brother. A XXL fez uma resenha do disco deles, e isso é coisa pra caralho, alguém da Carolina do Norte aparecer na XXL. Metade do motivo de eu costumar ir a Chapel Hill era porque o 9th Wonder costumava ficar de DJ nas batalhas de produtores. Aqueles foram alguns dos meus melhores momentos no hip hop – naquele clubezinho minúsculo com o 9th Wonder tocando o hip hop de verdade. Os clássicos. De Mobb Deep até A Tribe Called Quest. Em 'Ville a gente não tinha um lugar assim.

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Qual a sua relação com o 9th Wonder hoje em dia?
A gente é amigo e tem respeito um pelo outro. Ele lembra de mim como o garotinho que costumava aparecer lá. Lembro de uma vez em que ele estava tocando umas batidas no carro dele, na frente do Local 506. Éramos eu, ele e algum outro cara. Falei "vish!". Foi um momento muito marcante pra mim. Ele é simplesmente alguém que deve ser super respeitado e reconhecido como o primeiro a fazer hip hop de verdade em Carolina.

E daí você fez a mesma coisa. Essa turnê Dollar and a Dream que te trouxe à cidade marca o aniversário de cinco anos de The Warm Up. Você estava trabalhando nele quando o Hov acertou a sua entrada na Roc Nation. O contrato com a gravadora fez você querer voltar atrás e mudar alguma coisa na mixtape?
Bom, eu não parava de ser pressionado pelo meu parceiro de negócios, o Ib [Ibrahim Hamad]. Na época, a gente era só dois manos mandando ver em umas paradas de Dreamville, mas ele é o meu parceiro de negócios. Ele queria que [The Warm Up] fosse lançado antes do contrato. Ele ficava todo: "mano, a gente precisa soltar isso". E eu tipo: "ah nem, a gente já fez isso antes". A gente tinha soltado essa parada chamada The Come Up, e fomos até a Universidade A&T de Carolina do Norte e vendemos por um dólar cada. The Warm Up não estava pronto ainda. Eu tinha uns bagulhos tipo "I Get Up" e "Can I Live", mas sentia que ainda não era a hora certa. Sabia que teria mais impacto se lançasse depois do contrato. O contrato não me fez sentir pressionado a mudar o disco, mas me senti pressionado porque o jogo tinha mudado. Várias músicas, tipo "The Badness", "Grown Simba", "I Get Up", "Can I Live" e "Lights Please" eram músicas de disco. A gente costumava andar de carro por aí ouvindo essas, e falava "mano, quando a gente arranjar o contrato, esse é o disco!". Mas quando Drake lançou So Far Gone de graça e dominou o som do mainstream, tive que competir contra essa onda que tinha acabado de acontecer. Então não podia só lançar uma tape com uns freestyles e essas merdas, e deixar de fazer o meu melhor. Tinha que mostrar pros negos o que eu tinha guardado na manga. Tinha que mostrar as histórias que eu conto, tipo "Dreams". Tinha que mostrar que estava chegando com conteúdo, e que estava mesmo dizendo alguma coisa sobre o mundo, tipo em "I Get Up". The Warm Up deixou de ser baseado em freestyles, com umas músicas maneiras que eu amo por cima – e passou a ter todas as músicas que eu amo, junto com alguns freestyles.

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Você usou batidas clássicas tipo "Dead Presidents II" para freestyles porque não estava satisfeito com as suas próprias batidas, ou estava só prestando homenagem?
Não era tanto prestar homenagem quanto era tipo treinar na academia. Sempre que estou numa crise, volto para essas batidas clássicas. Tipo o Kobe Bryant na academia treinando um movimento novo. É assim que eu encaro os freestyles no The Warm Up.

Qual é essa do basquete ser um tema sempre presente na sua carreira?
É porque foi meu primeiro amor. Tive sucesso no rap por causa do que aprendi ao não ter sucesso no basquete.

Você ainda joga?
Ainda jogo, mas não com tanta frequência. Hoje em dia devo estar um lixo. Bom, lixo nunca vou ser, mas com certeza não tenho mais a mesma fluidez.

Você devia jogar num daqueles NBA All-Star Celebrity Games.
Na verdade joguei já, em 2012. Meu desempenho foi horrível. Mas peguei uma ponte aérea e meti uma enterrada. Estava tão enferrujado de não jogar o ano inteiro que perdia bandejas fáceis, e ficava errando as paradas. De qualquer modo, ficando mais velho fui vendo as coisas que impediram que eu tivesse sucesso no basquete. O tempo inteiro tinha alguém trabalhando mais pesado que eu. Meus técnicos costumavam sempre dizer: "nesse momento tem alguém lá fora fazendo cinco mil arremessos. Coisa que você não está." Essa ficha não me caiu até eu ficar mais velho e perceber que foi esse o motivo de não ter dado certo. Então apliquei essa lição de aprendizado ao rap. Primeiro de tudo, nunca senti que alguém fosse melhor que eu. Ainda assim, precisava ter certeza de que ninguém se esforçava mais que eu. Todo dia vou escrever. Todo dia vou fazer cinco batidas. Todo dia vou escrever versos e músicas. Então as referências do basquete estão presentes porque têm um paralelo com a minha carreira no rap. E tem também a história real de eu ter sido cortado no segundo grau, o que foi uma metáfora de ser ignorado no rap. Eu sentia como se ninguém estivesse me dando a menor atenção.

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Você disse recentemente que vai se abrir a trabalhar com mais produtores além de si mesmo. O que te fez mudar de ideia sobre isso?
Ah, não mudei de ideia. É só evolução.

Está ficando cansado de fazer raps em cima das suas próprias batidas?
Ah, não. Nunca. Essa é uma das minhas alegrias como artista. Eu me sinto mais completo quando faço uma música de cabo a rabo. Mas não entenda errado. Agora que trabalhei com outros produtores, é um alívio não ser obrigado a fazer a batida. Sou um rapper em primeiro lugar. Mas ainda não existe sensação melhor do que fazer tudo do zero.

Você é um dos poucos rappers que têm diploma universitário. Poderia falar sobre como a sua educação te ajudou como letrista e escritor?
Além de ter me dado perspectiva, não acho que tenha me afetado como escritor. Tenho uma perspectiva que os outros rappers não conseguem chegar perto. Recentemente me dei conta de que vi mais dos EUA do que muitos americanos. Desde crescer pobretão numa cidadezinha como Fayeteville, passando por minha mãe se casar e virar um pouco classe média, até fazer faculdade em uma cidade grande como Nova York. Muitos dos meus amigos não tiveram essa vida. Conheci muitos tipos diferentes de gente. É totalmente diferente de onde eu venho. Mas em termos de ser um grande escritor ou um grande pensador, ninguém precisa de faculdade para isso. Mas minha experiência na faculdade me deu um ponto de vista que ninguém mais tem. Meu rap é de um negro jovem que fez faculdade. Mas ainda faço todas as coisas de mano que os manos fazem.

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Você disse que teve que "lutar" para conseguir acrescentar essa data em Raleigh, Carolina do Norte, na turnê. Esse é o seu estado natal.
É, pra mim não tem nem o que pensar. Mas quando você tenta construir uma marca, tem uma equipe de pessoas que às vezes ficam tipo "ah, é fácil fazer Nova York, Los Angeles, e os grandes mercados". As pessoas sempre querem desprezar os mercados menores. Eu falo tipo "mano, isso aqui é a nossa casa. A gente tem que ir". Então quando disse "lutar", quis dizer que, internamente, havia algumas pessoas que não ficaram tão empolgadas de vir para Carolina, como se fosse um aborrecimento. Eu falava, "nah, pro caralho com isso".

E esses filhos da puta que só ficam odiando tudo, que ouvi zoarem a ideia dessa turnê de um dólar? Pelo visto eles pensam que isso desvaloriza a sua marca.
Desvaloriza a minha marca?

É, tipo como dissessem que, com um preço normal, você não ia conseguir vender todos os ingressos.
Nem. Claro que não. Não estou nem aí para a marca. Primeiro, não acho que isso seja verdade. Segundo, mesmo que fosse, não teria importância, porque quando estou naquele palco, e aquelas pessoas saem dos meus shows, você acha que elas pensam que a marca foi desvalorizada? Ou acha que elas vão fazer de tudo para estar em todos os shows quando eu voltar, porque simplesmente tiveram a melhor experiência das suas vidas, e eu acabei de ter a melhor experiência da minha vida? Sentado lá naquele palco eu fico tipo "mano, shows como esse são os meus momentos favoritos". Então, quem se importa se isso desvaloriza a marca?

Rolaram uns boatos de que você ia fazer três shows essa noite. Acha que teria aguentado?
Sim, pensei em fazer três shows. Mas no final das contas seria coisa demais. O pessoal tem que entender que fazer esses shows é difícil. Ninguém está ganhando dinheiro. A gente tá com os bolsos vazios. O custo de fazer todos esses shows está na casa dos seis dígitos. Tô gastando dinheiro, não tô ganhando nenhum. Estou fazendo isso por amor e pelo contato com os fãs. Esse espaço pequeno – não tem como reproduzir esse contato em uma arena ou num anfiteatro. Estou fazendo isso pelo amor à música. Essa parada me lembra da época que eu estava escrevendo as músicas. Isso tudo aqui é tanto por mim mesmo quanto é por eles.

Então quais vão ser as suas prioridades depois que essa turnê acabar? O próximo disco?
Trabalhar só, cara. Estou sempre trabalhando. Você tentou enfiar a pergunta do disco nessa aí [risos]. Tô sacando.

Você devia pensar em terminar aquele remix de "Baby Got Back" que começou a fazer no palco essa noite, e pôr ele no próximo disco.
Sim! As pessoas curtiram pra caralho. Talvez não tenha sido tão má ideia.

Eric Tullis escreve sobre música e sobre o basquete da Duke, em Carolina do Norte. Ele está no Twitter - @erictullis.

Tradução: Marcio Stockler.