Como a viagem de Temer à Rússia e à Noruega complica a situação da Amazônia?
Desmatamento na Amazônia. Foto: Felipe Larozza/VICE

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Como a viagem de Temer à Rússia e à Noruega complica a situação da Amazônia?

Gafes, pouco prestígio, crítica em público, perda de verba internacional e aumento da crise interna: o rolê do presidente no exterior foi malsucedido.

A viagem de Michel Temer à Rússia e à Noruega, realizada entre os dias 19 e 23 de junho, rendeu uma série de gafes, situações embaraçosas e reveses diplomáticos, que serviram como motivos para piadas no Brasil. Durante cinco dias de sua visita, o presidente se referiu à Rússia como União Soviética — e aos russos como "soviéticos" após seu retorno.

Temer, quando da sua chegada à nação russa, foi recebido por Sergei Ryabkov, vice-ministro de Relações Exteriores do país (estaria Vladimir Putin muito ocupado cavalgando um urso?). Nosso presidente, o primeiro na história do país a responder por um crime durante o mandato, foi solenemente ignorado durante um coquetel de boas-vindas na Rússia. Já em solo norueguês, o chefe de estado brasileiro disse que iria conversar com o rei da Suécia. Temer também foi alvo de críticas públicas sobre a crise política no Brasil. E como se não bastasse o fiasco diplomático, ainda viu a verba destinada pela Noruega para o Fundo Amazônia ser cortada pela metade.

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Teria, então, a viagem de Temer sido um fiasco? "Sem dúvida. Foi uma tentativa de colocar uma água na fervura, que é a crise interna não só do governo, mas agora com um presidente da República pela primeira vez na história denunciado pela PGR. O resultado foi uma viagem bastante desastrosa e frustrante", ratifica Alexandre Fuccille, professor de relações internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Popularidade abaixo de zero

Após a série de reveses, Temer ainda foi tema central de outra situação embaraçosa. De acordo com Jamil Chade, correspondente do jornal O Estado de S.Paulo, o primeiro discurso do presidente durante a viagem foi acompanhado apenas por um jornalista norueguês.

Outro ponto alto da viagem foi a sequência de reveses com o governo norueguês. A primeira-ministra Erna Solberg fez críticas à "turbulência" política no Brasil e mostrou preocupação com a Operação Lava Jato.

O Brasil deixará de receber 500 milhões de coroas norueguesas (R$ 196 mi) para o Fundo Amazônia, voltado à "preservação, monitoramento e combate ao desmatamento" da região amazônica. A verba, equivalente à metade doada pela Noruega, estava condicionada à preservação da Amazônia. E agora a Alemanha pode também cortar verbas destinadas à preservação da floresta. Em visita a Brasília, Karsten Sach, diretor-geral do Ministério do Meio Ambiente alemão, condicionou a continuidade das doações à redução significativa dos índices de desmatamento.

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A cláusula já era prevista em contrato firmado entre Brasil e Noruega. "Ninguém acreditava quase dez anos atrás que essa cláusula seria acionada, já que o Brasil vinha em um excelente momento de redução do desmatamento. Era previsível em termos jurídicos, mas em termos morais isso foi humilhante. O Brasil vinha sendo considerado um 'big player' nas negociações de mudanças climáticas e de biodiversidade. O descaso atual com a agenda ambiental joga o país em uma maré de descrédito", destaca David Montenegro Lapola, pesquisador do Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura), da Unicamp.

A agenda política em favor do agronegócio, no entanto, parece avançar em seus projetos. Como atesta a Medida Provisória 756, que procura alterar os limites das áreas de preservação ambiental nos estados do Pará e Santa Catarina. "O assunto já também não era prioridade nos governos Dilma. Agora a bancada ruralista está vivendo talvez o auge do seu poder. Isso preocupa muito os atores internacionais que fazem investimentos na área ambiental no Brasil", ressalta Lapola.

Houve quem visse graça nas gafes cometidas por Temer e por Sarney Filho, ministro do meio-ambiente, ao afirmar que "só Deus" pode garantir a redução do desmatamento. Mas a questão vai muito além da enxurrada de memes.

E pode não se tratar de crimes de lesa-humanidade cometer uma outra gafe, tampouco de exclusividade do governo atual — a saudação à mandioca feita por Dilma Rousseff não deixa mentir. Agora, além de tentar resolver a crise interna, a diplomacia brasileira deverá demonstrar mais interesse em acompanhar o cenário internacional e, como consequência, na política externa. "A gente tem interesse pequeno em política externa", diz Rodrigo Fernando Gallo, professor de pós-graduação de relações internacionais da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). "Acredito que a única forma para corrigir isso é ao se conscientizar de que não existe país isolado no mundo."

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