Aos 9 anos, Raphael Ueda quer voar tão alto quanto o pai

Raphael Ueda tinha 3 anos quando gravou na memória a primeira cena do seu pai Lincoln Ueda sobre o skate. Foi em 2010, na Mega Rampa em Vista, na Califórnia, nos EUA. "Nossa, achei muito legal ver meu pai fazendo um body jar", diz o menino em nossa conversa via Skype. "Fiquei até pensando que queria fazer aquilo um dia! Tomara que eu consiga." Se depender só de talento, será questão de tempo. Basta observar o Rapha apavorando nos bowls californianos, onde a família Ueda vive (San Marcos), para notar que ele, tal qual o pai, exibe desenvoltura nata para se destacar na modalidade.

Para o Lincoln Ueda, lenda dos aéreos, o menino é motivo de orgulho. O skate serve como elo de amizade com o filho da mesma forma que foi com ele e seu pai. O "japonês voador", como passou a ser conhecido na cena, afirma só ter emplacado como skatista profissional nos anos 80 devido ao suporte do pai. O sr. Jorge Ueda, proprietário de uma oficina mecânica na Vila Galvão, em Guarulhos, em São Paulo, notou a paixão e o potencial do adolescente Lincoln, então com 15 anos, e decidiu apoiá-lo no que fosse possível.

Além de estimular o filho a persistir, Jorge Ueda também gravava preciosos vídeos das sessions dele, todas captadas em VHS. Foram essas imagens que ajudaram o jovem skatista a evoluir. "A didática dele era aquela coisa de gravar a sessão inteira para analisar as manobras depois", comenta Lincoln, hoje com 42 anos. "Ele foi pioneiro nisso no Brasil."

Agora é a vez de Lincoln dar o mesmo apoio para Rapha. Engana-se, porém, quem julga ter rolado influência paterna para que o garoto seguisse seus voos. "Na verdade, nunca imaginei que meu filho ia andar de skate", diz. "Mas eu já pensava, antes de ele nascer, que ia apoiá-lo em qualquer atividade que precisasse." Para o skatista, não é recomendável a postura de "pai técnico", e sim de "pai amigo". "Até porque, na verdade, o próprio Rapha acaba nem escutando muito o que eu tenho pra falar. Ele escuta mais os amigos, as crianças que andam com ele, do que eu", conta, rindo. "Sou totalmente contra ficar falando o que o filho tem que fazer. Até fico longe pra não forçar a barra."

Com influência ou não do pai, o Rapha já mostra que tem a base do vertical. Ele dropa de boa e domina os grinds e fifties nas bordas, de frontside e backside. Tem também um jeito bem fluído de andar. Conecta com facilidade as extensões da pista, principalmente nos bowls. "Ele consegue se adaptar muito rápido", avalia o pai. "Pode colocar o moleque em qualquer lugar que ele pega logo o jeito da pista ou da rampa."

Em relação às habilidades mentais, impressiona a segurança do Rapha. "Não fico intimidado, não, faço o que consigo", diz. "Ando por diversão, só tento me superar quando brinco de Game of Skate com meus amiguinhos. Não é direto que ando com a turma, mas ando um montão. Tem dois amigos da escola que andam comigo, mas aí é mais na rua, pra dar uns flipinhos."

Rapha se destaca na crew dos pequenos por sua habilidade. Os vídeos e fotos que circulam pelas redes arrancam exclamações dos colegas. "Alguns amigos que têm Instagram já viram os vídeos em que eu estou andando", desenrola. "Quando eles veem, falam: 'Meu Deus!' ou que foi irado". E, se é comum as crianças saudáveis colecionarem alguns ralados e hematomas das brincadeiras recreativas, claro que o Rapha já protagonizou altos capotes. Alguns até embaçados que deixaram o Lincoln e a sua mulher, Cristiane, preocupados. "Uma vez, quando fui tentar um frontside air, caí de um jeito que desmaiei. Caí de cabeça e tive uma concussãozinha", descreve o garoto calmamente.

O pai enriquece a história com mais detalhes: "A gente foi andar no Bob [Burnquist] aqui, e ele [o Rapha] estava começando a andar. O bowl era novo, então o cimento ainda meio que agarrava um pouco. Era o final da sessão, pá, eu guardando os equipamentos, os negócios na mala, aí a galera foi embora e eu ouvi um barulho que não parecia de joelheira nem de board. Chamei ele e nada! Fui até a borda, olhei pro chão, e ele estava ali caído, tipo uma bolinha. Desci, peguei ele no colo, chamava e ele não respondia, com o olho aberto, parado. Aí bateu o desespero, tentei sair do bowl e não consegui. Tiver que dar a volta. Ele ficou desacordado um tempo que pra mim foi uma eternidade. Foi a única vez que ele me deu um susto mesmo, de pensar: 'Pronto! Nunca mais vai andar de skate!' [risos]".

"Mas ele [o Lincoln] não pode falar nada porque já quebrou aqui, já fez cirurgia aqui…", protesta o menino, apontando para partes do corpo da lenda do skate. E aproveita para contar mais um caso: "Tenho também um negócio no dente, na gengiva, da vez que o board bateu na minha boca e abriu essa parte." Não foi só a persistência e o talento para andar de skate que Raphael herdou de Lincoln. O jovem traz no sangue a esperteza, o carisma e a articulação. Fala bem, em inglês e português, além de ser engraçado e espirituoso. Quando perguntado sobre outras coisas que curte além do skate, ele solta que gosta de "montar Lego, brincar com meus amiguinhos e de fazer umas besteirinhas, assim… Minas". "Que minas, ow?!", surpreende-se o pai.

O Rapha também gosta de estudar, de tocar violão e, agora, quer passar para a guitarra elétrica. Caso não vire nada com o skate – o que parece bem difícil – ele já tem planos futuros. "Eu não sei se vou ser profissional de skate, vamos ver o que acontece. Mas se eu não conseguir ser um pro, quero ser obstetra", afirma. E, depois de alguns segundos em silêncio, complementa: "Tive essa ideia no dia em que assisti ao vídeo do meu nascimento. Porque ia ser irado dar a vida pra um nenezinho."

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