Narcotráfico, satanismo e fora Trump: Brujeria está de volta ao Brasil

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Narcotráfico, satanismo e fora Trump: Brujeria está de volta ao Brasil

Numa conversa franca com Juan Brujo, o vocalista repassa lances dos 27 anos da banda, o ódio por políticos racistas e conta histórias de bastidores.

No caminho de completar três décadas de sua primeira formação, a banda Brujeria volta ao Brasil no mês de maio para show único em São Paulo, no dia 16. Polêmico desde os seus primeiros acordes, o grupo dessa vez está na estrada para uma mensagem bastante direta sobre as eleições norte-americanas: a turnê Fuck Donald Trump.

A essa altura do campeonato já existe, no mundo do rock, uma galera que está puta com o polêmico candidato republicano das madeixas douradas, como Neil Young, Aerosmith e R.E.M. que proibiram o uso de suas músicas na campanha. No entanto, com o Brujeria, o recado já está no título da tour. "Esse cara é louco, decidimos (a turnê) ano passado, quando ele falou de erguer um muro entre os Estados Unidos e México ", conta o vocalista Juan Brujo, codinome utilizado por John Lepe, hoje provavelmente com 48 anos — ao questioná-lo sobre a idade, respondeu sorrindo "por aí ".

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Desde meados do ano passado, o candidato Trump vem anunciando a proposta de construir um grande muro na fronteira entre os dois países. Uma barreira que deveria ser, inclusive, custeada pelo governo mexicano. "Ele disse que se os mexicanos não pagarem por isso, os EUA entrarão em guerra com o país… Nós estamos tentando mostrar às pessoas que ele não é o cara legal que mostra ser, mas sim um idiota racista, que está deixando as pessoas loucas ", afirma.

Brujo lamenta o retrocesso no discurso racial promovido nessa campanha. "Trump está fazendo a América odiar novamente. É como se fosse nos anos 1950, em que todos eram haters, odiavam mexicanos, latinos, negros e asiáticos". E se as letras do Brujeria estão sempre recheadas de provocação, a opção adotada para o candidato também é irônica: a banda sugere que milionário ganhe a eleição e que, se ele quer uma guerra com os mexicanos, ele vai ter essa batalha. E brinca: "O exército americano tem mais da metade de soldados latinos, é até engraçado (risos)".

O assassinato de um governador

Em meados da década de 90, durante um evento público, Brujo teve a oportunidade de ficar frente a frente com o então governador do estado da Califórnia, Pete Wilson, republicano, que tomaria, na sua presença, algumas atitudes que, para o vocalista, foram bastante reveladoras. "Ao invés de ir até o público, ele ficou se escondendo, com medo das pessoas. Cobriu sua esposa, como se alguém fosse fazer algo com ela e daí vieram seguranças. Era um racista terrível e, meses depois, vieram medidas contra a imigração", narra, referindo-se a uma lei que proibia que imigrantes ilegais utilizassem os benefícios de saúde e educação públicas, com o objetivo de interromper a entrada dos latinos no país.

A decisão do Brujeria foi ainda mais radical: "Eu sabia quem ele era pelo que tinha feito comigo, era puro racismo, então decidimos que tínhamos de matar o governador nessa música".

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E é exatamente assim que se inicia o álbum Raza Odiada (1995), com a música de mesmo nome, mas que também é chamada de Pito Wilson, em que a sonoplastia simula um pronunciamento, que é interrompido por vozes em espanhol e o político é metralhado. "Nos falavam coisas do tipo: 'matar o governador? Vão te colocar na cadeia'. Eu fiz e nada aconteceu, pois se me prendessem, todo mundo ia confirmar o que eu estava falando", diz.

A propósito, a "homenagem" na música ocupa um item na biografia do ex-governador, hoje com 82 anos, na Wikipedia.

Uma banda na mira do FBI

Formado em 1989, o Brujeria é um projeto de grindcore e death metal que, além de Brujo, tinha a participação de Dino Cazares (Fear Factory), Billy Gould (Faith No More), Pat Hoed e Jello Biafra (Dead Kennedys), que além de guitarrista na primeira formação ainda seria peça chave no lançamento de vários singles polêmicos com sua gravadora Alternative Tentacles.

Cantando em um espanhol gultural, com letras que exaltam o narcotráfico, sexo e satanismo, a banda teve hiatos e inúmeras trocas de integrantes, que renderam oportunidades para outros músicos de outras bandas integrar suas escalações, como Carcass, Napalm Death, Dimmu Borgir e Cradle of Filth. Claro, sempre sob misteriosos condinomes em español.

Se nos dias de hoje, toda a filosofia do Brujeria está a um clique dos buscadores de sites na internet, durante os anos 1990, pelo contrário, o acesso a informações sobre a banda ficaram sob uma proposital penumbra.

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“Nós queríamos ser hardcore em todos os aspectos: que não soubessem nossos nomes, as bandas que fazíamos parte, nada!”, lembra Brujo, que faz questão de ele próprio revelar a mais importante situação sobre o Brujeria: “Exceto que éramos traficantes mexicanos”.

E era exatamente assim que os boatos rodavam o mundo. Uma banda de líderes do narcotráfico, na mira das forças de segurança e até mesmo do FBI. Homens desconhecidos que faziam uma música poderosa, satanista, cheia de mensagens que defendiam os imigrantes latinos. Outros pontos que alimentavam o mistério: durante praticamente uma década, as entrevistas foram escassas e a banda praticamente não fez shows.

Para completar o reinado de terror dos primeiros anos do Brujeria, estavam as capas de álbuns e singles, principalmente, a do primeiro, Matando Güeros (1993).

Lançado pela Roadrunner Records e, quase que automaticamente, tendo suas vendas proibidas em cerca de vinte países, o álbum trazia a capa estampada com uma cabeça decapitada de um homem, em todas as cores, carregada pelos cabelos por uma mão que a exibia para a fotografia.

“No México existem essas revistas semanais, que mostram pessoas assassinadas e crimes. Eu aprendi a ler em espanhol com ajuda dessas publicações”, explica o vocalista, que extraiu a tão comentada arte do álbum (inclusive a do interior do encarte) de uma dessas revistas. “Eu liguei para a redação na Cidade do México e pedi a um cara que nos deixasse usar essa fotografia e ele negou 'No, no, no', daí falei que oferecíamos 300 dólares americanos e ele: 'Nós te enviaremos por FedEx' (risos).”

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Reprodução da capa do Matando Güeros

Mensagem aos povos

Como tem mostrado na mais recente turnê, Juan Brujo acredita na mensagem que o Brujeria e a música como um todo transmitem a uma audiência. Afirma que o som pode, sim, ajudar na mudança, inclusive para casos de crises políticas e econômicas como as que o Brasil atravessa. “Mas eu não posso lutar pelo Brasil, tem que ser alguém daí, que venha e diga (através da música) o que eles querem e como se sentem. O que acontece no Brasil é algo que pode ser ouvido nos Estados Unidos, México e outros países”, diz.

O músico torce para que surjam “Brujerias” em pontos do mundo — “E eu farei o possível para apoiá-los”.

Por falar em Brasil, Brujo lamenta o que teria sido a chance de ter sangue brasileiro na banda. Segundo o vocalista, em 1993, o Brujeria estava reunido para gravações e, coincidentemente, os jovens irmãos Max e Iggor Cavalera estavam em Los Angeles a trabalho com o Sepultura. “Soubemos que eles estavam por aqui e convidamos: ‘passem aqui amanhã no estúdio para gravarmos algo’. Eles disseram que sim, mas não apareceram”, finaliza, em tom de lamento.

O Brujeria se apresenta dia 16 de maio no Clash Club, às 21 horas.

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