Parem de achar que a vida dos bissexuais gira em torno de sexo
Foto: Tochi Onwubiko/UnsplashT

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Identidade

Parem de achar que a vida dos bissexuais gira em torno de sexo

Uma mulher bissexual, é, antes de tudo, um estereótipo. O sex toy humano perfeito e sem vontade própria.

Quando você pensa em bissexualidade, a imagem geralmente não é positiva. E quando vê um produto cultural, o personagem bissexual é geralmente promíscuo, sem escrúpulos, moralmente dúbio, frio, dissimulado.

Não existe uma narrativa romântica bi. Um conto de fadas ou comédia romântica bissexual. Mulheres bissexuais na ficção não amam mulheres, elas atraem, usam e fodem (literal ou não) mulheres, geralmente para benefício de homens. Existe uma narrativa sexual. E, nela, bissexuais estão com mulheres para transarem com homens, não umas com as outras.

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A compreensão cultural da bissexualidade é a de que pessoas bissexuais são incapazes de amor, e hipercapazes para o sexo. E ainda há um componente psicofóbico forte na caracterização de personagens bissexuais ou ambivalentes: muitos apresentam traços de psicopatia e ausência de empatia ou remorso.

"Como todo mundo, temos afinidades, gostos, cheiros, sorrisos que gostamos mais, outros menos. Não pensamos em sexo o tempo todo"

Enquanto escrevo, personagens psicopatas bissexuais como Barbara Kean (Gotham) e Frank Underwood (House of Cards) já seduziram e mataram o equivalente a um país de pequeno porte. Annalise Keating já ajudou a si mesma a How to get away with murder (ou "como se livrar de um homicídio", em bom português) e Kalinda Sharma já seduziu quatro pessoas em The Good Wife só na TV.

Então, recapitulando, bissexuais se atraem por mais gêneros, mas não se atraem, ou atraem, qualquer pessoa. Como todo mundo, temos afinidades, gostos, cheiros, sorrisos que gostamos mais, outros menos. Não pensamos em sexo o tempo todo, e não somos todos inescrupulosos – alguns amam gatos e café.

E eu, por exemplo, tenho uma vida. Um amor e uma paixonite. Dois relacionamentos, o que é raro. Muito importante, eu tenho família. Tenho um filhote adolescente que quer ser médico. Uma casa amarela. Três gatos. Tenho responsabilidades. E tenho um trabalho que amo, mas que me consome boa parte do tempo. Dez ou mais horas por dia. Eu trabalho dando aula e tutoria sobre Gênero, Sexualidades e Feminismo Negro. E nem 30% da minha vida gira em torno de sexo como todos parecem pensar, dizer, perguntar, e assumir sobre bissexuais.

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Em números

E ainda assim temos 46,1% de chances de sermos estupradas. É uma taxa 2,6 vezes maior do que as chances de mulheres heterossexuais e 3,5 vezes maior do que lésbicas. Abaixo, outros dados importantíssimos levantados pelo site B-sides, que tem como objetivo reunir a comunidade bissexual no Brasil:

- 49,3% das mulheres bissexuais são vítimas de violência íntima severa de cônjuges;

- mulheres bissexuais têm 61,1% de predominância no que tange estupro, violência física e perseguição por parceiros íntimos;

- 40% das pessoas bissexuais já consideraram o suicídio. Isso é quatro vezes o número de pessoas heterossexuais e duas vezes o número de pessoas homossexuais;

- 28% das pessoas bissexuais revelam a sua orientação sexual para todas (ou quase todas) as pessoas importantes em suas vidas, enquanto esse número é de 77% dos homens gays e 71% das mulheres lésbicas;

- entre mulheres de 18 a 44 anos, 29,4% das mulheres bissexuais são pobres, enquanto esse número é de 22,7% entre as lésbicas e de 21,1% entre heterossexuais.

Todos os dias, mulheres bissexuais sofrem com violência psicológica, doméstica e sexual por conta dos estereótipos monossexuais sobre sua disponibilidade e frequência sexual. Correm risco de perder seus filhos porque o sistema legal é baseado na mesma compreensão preconceituosa forjada na cultura. Todos os dias somos assediadas para relações de que não escolhemos participar. Nosso trabalho é invisibilizado.

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"Tenho certeza de que não é uma fase e de que não estou confusa. Sim, continuo bissexual na segunda-feira, minha orientação sexual não é condicionada ao fim de semana"

Uma mulher bissexual, é, antes de tudo, um estereótipo. O sex toy humano perfeito e sem vontade própria. Todos os dias mulheres bissexuais são mantidas em tratamento médico, ou medicadas, num exercício de biopoder. E reduzidas na complexidade de sua vida e humanidade por conta de uma perspectiva machista e estereotipada do que seria uma mulher, e uma mulher bissexual.

Me descobri lésbica no convento

Não vou ser "amiga" da sua esposa. Que tal ela entrar num grupo de feminismo e autonomia? Tenho certeza de que não quero fazer sexo com outra mulher pra você assistir. Tenho certeza de que não é uma fase e de que não estou confusa. Sim, continuo bissexual na segunda-feira, minha orientação sexual não é condicionada ao fim de semana. Não, não topo tudo no sexo, só o que eu gosto mesmo. Não penso em sexo o tempo todo, penso em gatos, comida e café.

Orientação sexual é apenas uma das muitas faces que uma pessoa possui diante da complexidade das relações humanas. Então, façamos um acordo: respeita as bi!

Esta matéria faz parte da nossa série especial pra Semana do Orgulho 2018.

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