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Os Participantes da Resistência ao Grande Júri de Olympia Falam Sobre Sua Experiência

Por não delatarem seus amigos (ou supostos amigos) – e de novo, não pelos atos dessas pessoas, mas por suas crenças – eles passaram cinco meses na cadeia, os dois na solitária.

No Primeiro de Maio do ano passado, como você deve se lembrar, os protestos do Occupy em Seattle acabaram violentamente quando anarquistas vestidos de preto quebraram vitrines e janelas de bancos, da loja Niketown e de alguns prédios do governo, depois tiraram as roupas pretas e se misturaram à multidão. Ninguém se feriu, mas os prejuízos à propriedade foram avaliados em milhares de dólares por empresários e corporações que têm bilhões de dólares em lucro por ano.

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Então, em julho passado, quatro ativistas foram trazidos para testemunhar numa audiência secreta ao grande júri sobre os ataques. Uma casa foi invadida pela polícia em Portland, Oregon, em busca de roupas pretas e “material de leitura anarquista”. Enquanto isso, duas intimações foram emitidas em Olympia, Washington, para a garçonete Katherine “Kteeo” Olejnik (pronuncia-se Katie-O) e Matt Duran, técnico de computação. Nenhum deles sabia nada sobre as invasões da polícia, mas eram amigos de ativistas e talvez conhecessem alguém envolvido nos protestos de Primeiro de Maio. Talvez. Ao serem convocados para depor, por terem imunidade concedida, os dois não poderiam reivindicar seus direitos à Quinta Emenda, o que tornava ilegal se recusar a responder todas as perguntas do júri – quem eram seus amigos, no que seus amigos acreditavam e quem eram os amigos deles. Vou reiterar aqui, eles não seriam questionados sobre nenhum crime cometido, mas sim sobre a afiliação e crenças de seus supostos amigos.

Eles não testemunharam. Os dois decidiram, num ato bastante angustiante de desobediência civil moderna, permanecer em silêncio. Por não delatarem seus amigos (ou supostos amigos) – e de novo, não pelos atos dessas pessoas, mas por suas crenças – eles passaram cinco meses na cadeia, os dois na solitária.

Eles foram finalmente libertados em 28 de fevereiro e voltaram para casa, isso porque o tribunal decidiu que continuar com o encarceramento não ia levá-los a testemunhar e que isso só estava fortalecendo a resolução deles. Semana passada, tive uma chance de falar um pouco com eles sobre essa experiência.

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“Nenhum de nós tinha nenhuma informação sobre o que aconteceu no Primeiro de Maio. Quero deixar isso bem claro”, Kteeo disse. Kteeo não se considera uma anarquista, apesar de reconhecer que o sistema capitalista neoliberal é falho: “Eu sabia que o sistema judiciário estava fodido, mas ainda é muito chocante que uma coisa dessas possa acontecer com você. Você pensa muito sobre isso teoricamente, mas realmente estar dentro de uma prisão federal dos Estados Unidos e ver as coisas horríveis que acontecem com as pessoas lá todos os dias, não há palavras pra descrever.”

Matt concordou. “Eu tinha uma ideia de quão horrível isso era… Mas há uma diferença entre ouvir isso de alguém e experimentar em primeira mão. É um mundo separado. Você é despido de sua humanidade e se torna uma mercadoria – um objeto – que precisa ser armazenado até que a pena termine. Não há nada no mundo que possa descrever essa sensação.”

“Ficou muito claro desde o começo”, Kteeo continuou, “que eles estavam nos usando para tentar conseguir informação como parte de uma expedição de pesca. Estávamos sendo forçados a ajudá-los a criar um tipo de teia ou mapa das organizações políticas, ao invés de ajudar a investigar qualquer suposto crime político. Acho que eles usaram [o que aconteceu no Primeiro de Maio] como desculpa. Eles viram isso como algo que poderia ser usado para exigir uma investigação. Na realidade isso só era algo que eles queriam usar para saber quem estava organizando certos tipos de movimentos políticos no noroeste dos Estados Unidos.”

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“Estou especulando aqui”, Matt me disse, “mas acho que é completamente possível que seja algo que está acontecendo com sucesso aqui, não necessariamente apenas com o anarquismo, mas com as organizações no geral, que o sistema quer derrubar. É completamente possível que isso seja uma retaliação a algo que esteja dando certo aqui.”

Depois de falar com eles sobre sua experiência, eu ainda não tinha entendido por que isso tinha acontecido. Seria fácil caracterizar a experiência de Matt e Kateeo como um romance de Kafka com final feliz. Mas achei que isso seria muito simplista. Então liguei para uma amiga, em quem confio muito, que trabalha como promotora pública e que acredita sinceramente no sistema. Ela falou comigo sobre isso com a condição de permanecer anônima.

A primeira coisa que ela me disse é que tudo isso foi legal. O FBI tinha o direito de fazer tudo o que fez. Às vezes, em instâncias extremas, é preciso fazer falar as pessoas que não querem testemunhar e simplesmente não devemos saber por quê – é uma razão secreta. E ela disse que, apesar de não saber qual seria essa razão secreta, ela tinha certeza de que era uma razão muito boa. Seria pouco provável que eles se arriscassem a um escândalo desses por nada. O grande júri é reservado para políticos, assassinos seriais e terroristas, então é possível que essas pessoas estivessem conectadas com um desse casos sérios. Que o que eles sabiam era altamente importante e, mesmo que isso pareça bizarro e injusto, que o governo provavelmente tinha uma boa razão para manter esses dois sob custódia, e que essa razão talvez não fosse conhecida por ninguém, nem mesmo por eles.

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Ela me contou sobre como tinha prendido duas pessoas que se recusaram a testemunhar – pessoas inocentes – e que mesmo isso sendo um saco, às vezes essa é a única maneira de fazer as pessoas falarem. Ela me contou a história de um grande cartel de drogas, uma das testemunhas estava com medo de continuar a participar das investigações, então eles a prenderam por alguns dias até que ela falasse. E sobre uma esposa que sofria abuso do marido violento e que se recusava a testemunhar contra ele, até que foi parar atrás das grades e acabou sendo forçada a fazer isso.

Eu entendi o que ela estava dizendo, mas acho que esse caso foi diferente.

A desigualdade no nosso país é desconcertante, os ricos continuam ficando mais ricos e o resto está no mesmo estado estagnado. O sistema está falido, ou parece não estar funcionando para as pessoas tão bem quanto funciona para acionistas. E eu sei, todos estão fazendo o melhor que podem com as informações que têm, mas no passado, quando as pessoas eram oprimidas e ficavam irritadas com isso, elas também saíam por aí quebrando janelas. Não é assassinato; é frustração.

Quer dizer, sério, eles estão errados? Não estou de maneira nenhuma implicando que Kteeo e Matt tiveram qualquer envolvimento que seja na confusão de Primeiro de Maio ou sancionando que a violência é uma ferramenta política apropriada.

Mas talvez seja disso que o FBI tem medo; que existam mais pessoas relativamente “normais” por aí ficando putas e querendo quebrar algumas janelas também – desde que ninguém se machuque. Talvez o governo tenha um interesse velado e realmente queira fazer de alguém um exemplo, qualquer pessoa que faça algo assim e seja pego.

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Eu sei que parece loucura, e posso estar completamente errada aqui, mas acho que o governo norte-americano quer tanto monitorar essas pessoas que não se importa em prender gente inocente em prisões federais, sem nenhuma acusação, por cinco meses.

Eles não estão procurando por assassinos, pessoas que estão tentando explodir o Nebrasca, matar o presidente ou cometer atos covardes de terrorismo; eles estão procurando pessoas que podem potencialmente inspirar o resto do povo a levantar da porra do sofá e se importar com alguma coisa.

Mas algo importante para se lembrar é que eles não estão sozinhos nisso. Tanto Kteeo quanto Matt receberam muito apoio de sua comunidade e do mundo em geral. “A quantidade de apoio [que recebemos]”, disse Matt, “foi incrível. Nunca vi tanta gente sair da toca assim. Recebi cartas de pessoas de quem não ouvia falar há anos, dizendo apenas que realmente esperavam que eu estivesse bem. Foi incrível ver tanta gente se voltando para nos apoiar. Eu não imaginava que isso se tornaria algo tão grande.”

Kteeo continuou: “Essa incrível cidade que é Olympia ficou do nosso lado mesmo. Para muitas pessoas não é só questão de política, é uma questão de pessoas queridas sendo afastadas deles, e eles querem fazer de tudo para apoiá-las”.

Quando perguntei se a perspectiva política deles tinha mudado com essa experiência toda, os dois responderam que não, e talvez essa seja a melhor coisa resultante desse inferno pelo qual eles passaram. Eles saíram com mais força e resolução de trabalhar para consertar as coisas e fazer do mundo um lugar melhor. Essa é uma lição que aprendi também, e não precisei passar cinco meses numa prisão federal por não dedurar as crenças dos meus amigos.

Siga a Kat Gardiner no Twitter: @Kat_Gardiner